O ano de 2024 marcou o cinquentenário das relações diplomáticas entre Brasil e China, evidenciando uma trajetória de intensos laços comerciais e políticos. Ao longo dessas cinco décadas, a parceria bilateral consolidou-se como um dos pilares da inserção econômica do Brasil no cenário global, com especial destaque para a primeira década do século XXI.
Neste contexto, este artigo examinará brevemente o histórico dos investimentos chineses e o potencial da nova onda de desenvolvimento na região amazônica, além de discutir os desafios enfrentados por nossos parceiros ao interagir com essa área estratégica.
Entre 2003 e 2008, a receita de exportação brasileira registrou um crescimento significativo, passando de US$73 bilhões para aproximadamente US$198 bilhões, conforme relatório anual do Banco Central do Brasil nos respectivos anos. Esse avanço econômico esteve diretamente associado à estratégia do Governo Lula em diversificar os mercados de destino das commodities brasileiras. Isso porque, ao invés de priorizar os tradicionais parceiros comerciais da América do Norte e Europa, o Brasil expandiu significativamente o comércio de soja, carne, petróleo e minério de ferro para economias emergentes. [1]
Em paralelo, a China reforçava sua política Go Global (‘走出去’ 略战, Zouchuqu zhanlve ou “Saída para o mundo”), momento em que o país expandiu sua esfera de influência, incentivando empresas chinesas a investirem fora do país. Essa postura ajudou outras nações em desenvolvimento a crescer sua economia e desenvolver sua infraestrutura enquanto o país asiático acessava recursos primários.
Nesse contexto, a China tornou-se o ator central no comércio exterior brasileiro, consolidando-se como o principal destino das exportações em 2008, quando ultrapassou os Estados Unidos como maior parceiro comercial do Brasil.
Conforme apontam Hiratuka e Sarti, “quando se analisa o desempenho geral do comércio exterior brasileiro, é possível notar a influência direta e indireta do crescimento chinês, tanto nos fluxos de exportação como nos fluxos de importação”. [2]
É importante mencionar que o Brasil capta a maior quantidade de investimentos da América Latina, sendo o destinatário de 39% do valor aportado entre o período de 2003-2023. [3] Além das commodities, a cooperação entre Brasil e China tem se expandido para novas frentes, incluindo questões ambientais e desenvolvimento sustentável.
Durante a 19ª Reunião do G20, realizada em novembro no Rio de Janeiro, o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, declarou que:
Devemos apoiar os países em desenvolvimento na adoção de modelos sustentáveis de produção e estilo de vida, enfrentando de forma eficaz desafios como as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade e a poluição ambiental. É fundamental fortalecer a conservação ecológica e promover a harmonia entre o ser humano e a natureza.
A fala do presidente chinês reflete o compromisso de Beijing e das companhias chinesas com os investimentos nas “novas infraestruturas” (新基建 xin jijian), com o objetivo de desenvolver setores chave para a modernização econômica, abrangendo telecomunicações, fintechs (tecnologia financeira) e energia de transição.
Essa abordagem se materializa na política “small is beautiful”, traduzida como “pequeno é bonito” em português, que prioriza projetos menores, descentralizados e sustentáveis, diferenciando-se das mega infraestruturas que dominaram os investimentos chineses na década passada.
Esse método é fundamental, uma vez que impulsiona a inovação tecnológica e reduz a dependência de fontes de energia tradicionais, como o petróleo, o gás natural e o carvão mineral, abordando de forma direta os conflitos ambientais do novo século.
À luz das novas estratégias de investimentos, a região amazônica desempenha um papel crucial na transição energética, sendo rica em recursos minerais, abundante em reserva hídrica, distante de conflitos geopolíticos e alvo de investimentos tecnológicos captados, entre outros instrumentos, pelos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM).
Quando analisado a política externa chinesa, observa-se que o país atua por meio de “Bancos de Política”, que concede empréstimos a governos com a exigência de contratação de empresas chinesas para as obras. [4] Outra estratégia é o investimento externo direto, no qual empresas, em sua maioria estatais, financiam os projetos, podendo assumir parcial ou totalmente a posse dos empreendimentos. [5]
Nesse sentido, no setor energético, há de se mencionar os projetos da estatal China Three Gorges (CTG) com a portuguesa EDP6 nas Usinas de Grande Porte (UHE) de Cachoeira Caldeirão (219 MW), Santo Antônio do Jari (393 MW) e São Manoel (735 MW).
Ainda quanto ao setor, dado o tamanho continental do Brasil, há grande interesse em projetos de transmissão de energia, cabendo destaque à estatal chinesa State Grid Co.. A empresa desempenha papel importante na conexão da Amazônia ao restante do país por meio de suas linhas de transmissão de energia. Em 2023, a empresa arrematou a maior linha de transmissão de energia do nordeste, investindo R$18 bilhões para construir 1.513 Km de linha energética que conectará o Maranhão e Goiás.
Diante dos investimentos em infraestrutura, em novembro de 2024, o Ministério de Minas e Energia (MME) do Brasil participou do lançamento da China-Brazil Electric Innovation and Sharing Alliance (EISA). A iniciativa visa promover o intercâmbio de tecnologias entre Brasil e China para modernizar o setor elétrico dos países.
Durante o evento de assinatura da aliança, o presidente da State Grid Brazil Holding, Sun Tao, reforçou o compromisso da empresa “como participante ativo na indústria de transmissão de energia do Brasil, estamos comprometidos em construir equipamentos de energia de baixo carbono, limpos, eficientes e seguros para a China e o Brasil”.
Dessa forma, percebe-se que a marca “Amazônia” carrega um forte simbolismo para os investimentos em energias renováveis, especialmente por sua associação à biodiversidade. Para viabilizar a instalação de fábricas na região, a Zona Franca de Manaus oferece incentivos tributários e alfandegários, reforçando a parceria Brasil-China. Em 2024, cerca de 30 empresas chinesas anunciaram a instalação de fábricas no Polo Industrial.
Além dos incentivos financeiros, a proximidade com o Porto de Chancay, no Peru, inaugurado em 14 de novembro de 2024, é um grande atrativo aos investidores. Os desafios de escoamento de commodities são determinantes para o avanço em projetos de infraestrutura de escoamento na Amazônia Legal.
Destacam-se, nesse contexto, megaprojetos na bacia do Tapajós, como a Ferrovia Transoceânica, que ligará Brasil e Peru, a Ferrovia Paraense, conectando Barcarena aos municípios do sudeste do Pará, e a Ferrogrão, que integrará do Centro-Oeste ao Pará. Essas iniciativas buscam fortalecer a logística do chamado “Arco Norte”, reduzir a dependência do Canal do Panamá e ampliar a conexão do Brasil com o Oceano Pacífico.
Diante do exposto, a liderança chinesa na região impulsiona a tão aguardada transição energética do Brasil, ao integrar um parceiro estratégico com expertise avançada no setor. Além disso, essa cooperação promove processos mais ágeis e eficientes de escoamento, fortalecendo ainda mais a relação entre Brasil e China e abrindo novas oportunidades para o desenvolvimento sustentável.
Os desafios socioambientais na Amazônia estão diretamente ligados à exploração de uma região marcada por sua diversidade étnica e ecológica. Para além das preocupações com a degradação florestal decorrente da extração mineral de desmatamentos para construção de novas rotas, a sociedade civil exerce pressão para a preservação dos modos de vida tradicionais das comunidades locais.
Projetos de grande porte na região amazônica, como Usinas Hidrelétrica e linhas de transmissão energéticas, possuem longo histórico de conflitos entre comunidades indígenas e investidores.
De um lado, os povos indígenas possuem direitos territoriais e culturais assegurados pela Constituição e por tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê a Consulta Prévia, Livre e Informada (PLI) antes da implementação de empreendimentos que os afetem.
Ao mesmo tempo, esses direitos entram em conflito com a necessidade de expansão da infraestrutura energética, defendida como essencial para o desenvolvimento econômico e político brasileiro.
Assim, conciliar essas demandas exige modelos de governança mais participativos, que respeitem os direitos indígenas e garantam que o desenvolvimento ocorra de forma justa e sustentável. Caso isso não seja observado, a ausência da devida diligência expõe os investidores a riscos financeiros e reputacionais, uma vez que a falta de consulta adequada e a violação de direitos podem levar à paralisação de projetos, judicialização de empreendimentos e pressões por parte da sociedade civil e de organismos internacionais.
Um exemplo claro é a paralisação do projeto infraestrutural “Ferrogrão” com o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553, que discute a destinação de parte do Parque Nacional do Jamanxim (PA) ao projeto Ferrogrão, ferrovia que visa ligar o Pará a Mato Grosso. [6]
Da mesma forma, a utilização de terras indígenas para a transmissão de energia é tema de debate na Ação Civil Pública nº 0013166-38.2013.4.01.3700, movida pelo Ministério Público Federal contra as Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. (Eletronorte) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). [7]
A ação questiona se as medidas adotadas para mitigar os impactos sociais e culturais foram adequadas para a concessão da licença ambiental. [8] A falta da documentação necessária resultou na suspensão dos serviços, evidenciando os prejuízos causados pela ausência de conformidade com os requisitos legais.
No âmbito legislativo, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 275/2019, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, busca regulamentar o uso dessas áreas para infraestrutura energética sob o argumento de interesse da União na exploração das terras indígenas. Destaca-se a grande oposição dos defensores de direitos humanos sobre a aprovação da lei complementar.
Para que os investimentos chineses na Amazônia contribuam efetivamente para a transição energética sem comprometer o meio ambiente, é fundamental o comprometimento da China para garantir transparência nos acordos bilaterais. Sendo assim, deve-se reconhecer o papel central dos povos indígenas na proteção da floresta e assegurar seu direito ao consentimento livre, prévio e informado.
A falta de consulta adequada às comunidades indígenas representa um dos principais desafios para investidores estrangeiros, uma vez que os projetos na região impactam e comprometem a organização social dos povos originários. [9]
Dessa forma, torna-se imprescindível aprofundar os processos de due diligence, garantindo mecanismos que assegurem o consentimento e a participação inclusiva das comunidades indígenas nas decisões relativas a projetos desenvolvidos na Amazônia. Sendo necessário, ainda, a utilização de fundações como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) na mediação com líderes dos povos originários. [10]
Os investimentos chineses na Amazônia têm potencial para impulsionar a transição energética do Brasil, mas os desafios ambientais e sociais não podem ser ignorados. Afinal, é fundamental defender a transição energética justa, garantindo que os benefícios da transição para fontes de energia limpa sejam distribuídos de maneira equitativa, respeitando os direitos das comunidades afetadas e promovendo a inclusão social.
Para garantir um desenvolvimento sustentável, é essencial que as parcerias sino-brasileiras sejam conduzidas com transparência, regulação e compromisso com a preservação ambiental e ética. Apenas assim a Amazônia poderá contribuir efetivamente para a transição energética global sem comprometer seu papel essencial na estabilidade climática e na biodiversidade do planeta.
Fotografia: Hady Z, Pexels
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Este artigo faz parte do projeto Revista Sinóptica 提纲. Saiba mais sobre este e outros projetos aqui.
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