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As redefinições na trajetória de desenvolvimento chinês e a transição energética global constituem fenômenos entrelaçados e que se situam entre os mais relevantes da contemporaneidade, à medida que se mostram indispensáveis para o combate às mudanças climáticas. De um lado, a transição energética constitui o aspecto mais relevante para o enfrentamento da emergência climática, uma vez que cerca de três quartos das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) são atribuídas ao fornecimento de energia, por sua vez dependente em cerca de 80% de combustíveis fósseis. Por outro lado, o papel da China neste processo é central por diversas razões.
Primeiro, o país asiático é o maior consumidor de energia e emissor de carbono do mundo, respondendo por um terço das emissões globais de CO2. Segundo, a China é o maior produtor mundial de energia eólica e solar e o maior investidor em energia renovável. Terceiro, o país se converteu, especialmente na última década, enquanto um dos principais credores internacionais, com potencialidades relevantes em termos de financiamento para projetos em energias renováveis, principalmente no Sul Global.
As políticas climáticas chinesas têm evoluído progressiva e qualitativamente. Do ponto de vista doméstico, é importante pontuar as transformações no modelo de desenvolvimento do país, que tem paulatinamente se orientado para motores menos intensivos em energia, em particular o setor de serviços e a inovação tecnológica. O último Plano Quinquenal, por exemplo, enfatizou a qualidade do crescimento, em detrimento de orientações anteriores que priorizavam a manutenção de um ritmo de crescimento acelerado. Atrelado a isso, a China também tem assumido uma série de compromissos no âmbito do regime internacional do clima, sendo a meta de atingir a neutralidade de carbono até 2060 o mais emblemático.
A introdução de novos vetores para o desenvolvimento decorre em grande medida dos desequilíbrios no regime de crescimento do país, incluindo aqueles vinculados ao meio ambiente. A emergência de conceitos como Civilização Ecológica e sua manifestação em políticas e iniciativas governamentais contribuíram para o planejamento e a execução de estratégias para descarbonizar gradualmente a matriz energética e impulsionar o desenvolvimento científico-tecnológico, materializado em iniciativas como o Made in China 2025 e o China Standards 2035. Apesar dos imensos desafios e contradições, conforme sugere a crise energética enfrentada pela China em 2021, os avanços até o momento têm sido notáveis. Entre 2009 e 2020, segundo recente publicação do BRICS Policy Center, a participação de fontes renováveis (excluindo hidrelétricas) subiu de 1,31% para 11,1%, enquanto a representação do carvão caiu de 78% para 63,2%. De acordo com Cândido Grinsztejn, Maria Elena Rodriguez e Gabriel Estill, autores do referido estudo, são três as motivações fundamentais para a China acelerar o seu processo de transição energética: a) reduzir o nível de emissões; b) elevar a sua segurança energética; c) alavancar o crescimento econômico por meio do desenvolvimento de indústrias que produzam tecnologias verdes.
Segundo Marianne Zanon Zotin, a China conta com a maior capacidade instalada de energia elétrica renovável do mundo (895 GW), bastante à frente dos Estados Unidos (292 GW). Além disso, a China foi o país que mais investiu em energias renováveis entre 2016 e 2020, de acordo com relatório publicado pela World Economic Forum. As empresas chinesas inclusive dominam o mercado global de turbinas eólicas e de painéis fotovoltaicos, ao passo que igualmente despontam como líderes em outras tecnologias fulcrais à transição energética, incluindo veículos elétricos e sistemas de transmissão. Evidentemente, as repercussões dessas transformações irradiadas a partir da China adquirem dimensões globais. Entre elas, podemos mencionar a tendência de redução no médio e longo prazo das importações de petróleo e gás natural, com implicações diretas para os países produtores dessas commodities. Outro impacto relevante diz respeito à redução dos custos de tecnologias de baixa emissão, em particular painéis fotovoltaicos, conforme aponta relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês).
Além disso, a China, diante de suas capacidades técnico-produtivas e a disponibilidade de canais de financiamento, pode contribuir de forma importante para os países em desenvolvimento atingirem suas Contribuições Nacionais Determinadas (INDCs), dado o seu potencial de preencher lacunas de investimento e expertise presentes de forma marcante no Sul Global. Essas complementaridades, em particular no setor de energia renovável, são apontadas no estudo “Chinese development finance for solar and wind power abroad”, de autoria de Kong Bo e Kevin Gallagher.
Na realidade, o país asiático já se destaca por ser um relevante credor para projetos de desenvolvimento no Sul Global, sobretudo por meio de iniciativas como a Belt and Road Initiative (BRI). Na última década, a China se notabilizou por construir extensas redes de financiamento para o desenvolvimento internacional, especialmente por meio de de bancos voltados ao financiamento das políticas públicas (policy banks), bancos comerciais e entidades privadas, além de Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMD), como o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (NBD) e o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB).
Considerando essas complementaridades e potencialidades, sublinha-se também a existência de um conjunto de indícios que apontam para uma priorização de projetos sustentáveis e de energias limpas nas práticas de financiamento para o desenvolvimento internacional promovidos pela China. O primeiro e talvez o mais relevante deles tenha sido o anúncio do presidente Xi Jinping, em setembro de 2021, a respeito da decisão do país de não mais financiar e construir projetos a carvão no exterior.
Outra sinalização relevante foi a criação da Coalizão para o Desenvolvimento Verde da Iniciativa Cinturão e Rota (BRIGC ou Green BRI), durante o Segundo Fórum da BRI para o Desenvolvimento Internacional (BRF, em inglês), realizado em 2019. A BRI “verde” ainda se coaduna com novas orientações do Ministério de Ecologia e Meio Ambiente da China (MEE) e do Ministério do Comércio (MOFCOM) a respeito da importância de integrar projetos de infraestrutura no exterior aos propósitos de desenvolvimento verde. Ainda é válido mencionar avanços atingidos em espaços multilaterais, como a institucionalização da Plataforma de Cooperação em Pesquisa Energética do BRICS.
Inclusive, o Diálogo de Alto Nível sobre Desenvolvimento Global, realizado às margens da última Cúpula do BRICS, reafirmou os princípios e compromissos em torno do Global Development Initiative (GDI), iniciativa lançada pela China na ONU, em 2021. Segundo a pesquisadora Karin Vazquez, o GDI, que já conta com o apoio de mais de 100 países, se propõe a fortalecer a cooperação internacional, acelerar a recuperação econômica global, criar resiliência frente às mudanças climáticas e catalisar os esforços para a Agenda 2030.
Essas são as iniciativas da China rumo ao consumo energético de baixo carbono. Portanto, é inviável pensar em transição energética sem destacar o papel central da China. O caminho do país asiático em direção a uma economia de baixo carbono trará repercussões globais, com redução da demanda por combustíveis fósseis e ampliação da oferta de tecnologias energéticas. Os compromissos, iniciativas e ações de cooperação de investimento e financiamento para o desenvolvimento promovidos pela China agregam esforços adicionais à transição energética em curso, possibilitando preencher lacunas, equacionar vulnerabilidades e desenvolver projetos de cooperação energética no Sul Global como um todo, incluídos o Brasil, por exemplo.
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