Esta é uma versão beta, pode conter bugs e não está completa. | This is a beta version, it may contain bugs and is not complete. | 这是一个测试版,可能包含错误并且不完整。

O Exército de Libertação Popular da China (ELPC, do original 中国人民解放军 Zhongguo Renmin Jiefangjun), amplamente conhecido no Ocidente pela sigla PLA (People’s Liberation Army), congrega, em uma única instituição, todas as forças armadas chinesas, atualmente formadas por quatro serviços — Exército, Força Aérea, Marinha e Força de Foguetes — e quatro armas: Força Conjunta de Apoio Logístico, Força Ciberespacial, Força Aeroespacial e Força de Apoio à Informação. As primeiras assemelham-se às tradicionais forças armadas presentes em todo o mundo; as últimas são ramos especializados, comandadas por oficiais-generais que não ocupam o mais elevado posto, destinados à atuação no campo da logística e em domínios específicos do combate moderno.
O ELPC possui peculiaridades que o distinguem fortemente das forças armadas ocidentais. Entre essas peculiaridades, destaca-se o fato de as forças armadas pertencerem ao Partido Comunista da China. No Ocidente, mais especificamente nas democracias liberais, há um paradigma que desaconselha fortemente a participação de militares na política.
Samuel P. Huntington é um dos principais autores a defender esse afastamento. Em O Soldado e o Estado, o autor sustenta que a eficácia e a legitimidade das Forças Armadas dependem da adoção do chamado controle civil objetivo, modelo no qual os militares preservam sua autonomia profissional na esfera técnica e operacional, mas se mantém rigorosamente afastados da política. [1] Para Huntington, o envolvimento direto dos militares em disputas partidárias ou decisões políticas compromete o profissionalismo e ameaça o equilíbrio entre civis e militares. Assim, o autor norte-americano advoga que a neutralidade política é condição essencial para a subordinação das Forças Armadas ao poder civil e para o bom funcionamento das instituições democráticas.
No entanto, autores mais contemporâneos ampliaram esse debate. Eliot Cohen, em Supreme Command, por exemplo, argumenta que a intervenção civil e o envolvimento com líderes militares em um “diálogo desigual” constituem um modelo superior de relações civis-militares. [2] Ou seja, para esse autor, em democracias modernas, o controle civil envolve intervenção ativa — e informada — sobre decisões estratégicas e militares. Na maioria dos países ocidentais, tal supervisão civil ocorre por meio de Ministérios da Defesa, responsáveis por integrar orientação política e comando militar.
No sistema político chinês, entretanto, vigora o pensamento de Mao Zedong de que “o partido comanda o fuzil, jamais o contrário”. [3] Nesse sentido, a presença de comissários políticos em todas as unidades do ELPC é a materialização desse princípio. Cada comandante militar tem, ao seu lado, um comissário político de igual hierarquia, responsável pela educação ideológica, pela disciplina política e pela supervisão da lealdade dos oficiais e soldados ao Partido. Essa prática, herdada do Exército Vermelho, assegura que o poder militar nunca se autonomize do Partido, prevenindo o tipo de separação civil-militar que Huntington considerava ideal.
Para um observador ocidental, tal prática de duplo comando é considerada bastante estranha, uma vez que fere um princípio de guerra básico: o da unidade de comando. Tal princípio passou a ser sistematizado nos exércitos ocidentais principalmente a partir da análise de Antoine-Henri Jomini que afirmava: “Nada é mais importante na guerra do que a unidade de comando; sem ela, não pode haver um plano bem concebido nem uma execução harmoniosa.” [4] Desde os ensinamentos de Jomini, para um general ocidental, a ideia de dividir o comando entre um chefe militar e um representante político seria um erro estratégico grave, pois diluiria a responsabilidade e tornaria impossível a unidade de comando.
No mais alto nível, entretanto, não há dúvida, na China, sobre a responsabilidade máxima pelo comando do ELPC: ela repousa integralmente nas mãos do Comitê Central Militar (CCM), atualmente presidido por Xi Jinping. Contudo, é importante ressaltar que, historicamente, o posto de presidente do CCM nem sempre foi acumulado automaticamente pelo Secretário-Geral do Partido. Na transição de poder de Jiang Zemin para Hu Jintao, por exemplo, houve um período de dissociação entre essas posições. Hu assumiu o cargo de secretário-geral do partido em novembro de 2002, de presidente da república em março de 2003, mas só foi assumir o cargo de presidente do CMC em setembro de 2004, quando finalmente Jiang Zemin renunciou àquela posição. O controle do CCM, portanto, é um elemento decisivo para o poder real na China.
O presidente Xi Jinping, que acumula as três posições de poder desde 2013, é o responsável por uma notável transformação organizacional e por uma grande aceleração no desenvolvimento das capacidades militares chinesas. Elas estão no marco da “Grande Revitalização da Nação Chinesa” e dos chamados “prazos dos dois centenários”: 2021, centenário do Partido Comunista da China, e 2049, centenário da República Popular da China. Esses dois marcos temporais estabeleceram metas de desenvolvimento para diversas áreas, inclusive para o aparato militar chinês. Nesse contexto, o objetivo para 2049 é que a China conte com forças armadas de “classe mundial”.
Nesse caminho de modernização, em 2015, o ELPC completou uma transformação muito significativa de sua organização. Até então, Exército, Marinha e Força Aérea possuíam, cada um deles, comandos territoriais próprios e mutuamente independentes. A partir da reforma, foram criados cinco comandos conjuntos, chamados de “Comandos de Teatro”, cada um deles diretamente subordinado ao CCM e com uma vocação operacional própria.
Comandos de Teatro. [5]
Assim, o Teatro Norte está voltado primordialmente para as questões da Península da Coreia e para a segurança da fronteira entre Rússia e China. O Teatro Leste tem sua ênfase voltada para Taiwan e para o Mar do Leste da China. O Teatro Sul dedica-se às questões referentes ao Mar do Sul da China — inclusive as disputas territoriais e marítimas naquela região — e à segurança das fronteiras com os países do Sudeste Asiático. O Teatro Oeste trata da segurança da fronteira com a Índia e das questões relacionadas à segurança interna no Tibete e em Xinjiang. Por fim, o Teatro Central cuida da segurança da capital e serve como força de reserva aos demais Teatros.
Além dessa transformação organizacional, que incluiu uma significativa redução de efetivos, com o ELPC passando de 2,3 milhões de militares para cerca de 2 milhões, Xi Jinping implementou uma acelerada modernização dos meios militares. Novas armas passaram a integrar o arsenal chinês, o que diminuiu sensivelmente o distanciamento tecnológico entre o ELPC e as forças armadas mais modernas do mundo, notadamente as dos Estados Unidos.
Nesse sentido, é digno de nota que, em 2013, primeiro ano da presidência de Xi Jinping, a marinha chinesa comissionou seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, de origem soviética e com severas limitações operacionais. Hoje, o país já conta com três navios desse tipo, sendo que o mais moderno, o Fujian, está equipado com catapultas eletromagnéticas — um avanço que permite o lançamento muito mais eficiente das aeronaves de combate embarcadas.
O desenvolvimento de novos sistemas e materiais de emprego militar chineses não se restringe aos porta-aviões, e isso ficou bem demonstrado por ocasião do desfile militar realizado no último mês de setembro, em comemoração aos 80 anos da vitória chinesa na 2ª Guerra Mundial, chamada naquele país de “Guerra de resistência contra a agressão japonesa e guerra mundial antifascista”. Naquela oportunidade, o governo chinês fez questão de apresentar uma série de novas armas, em um esforço para demonstrar ao mundo a evolução do ELPC. Foram exibidos mísseis balísticos e hipersônicos; sistemas autônomos e remotamente pilotados aéreos, terrestres e navais; armas de energia dirigida; sistemas antimísseis e anti drones; e um novo carro de combate principal, dotado de um sistema de tiro totalmente automatizado.
Toda essa transformação, que ainda está em curso, como já foi dito, tem o objetivo de posicionar o ELPC, em 2049, como uma “força de classe mundial”. Se tal objetivo for alcançado, como a atual trajetória indica, a China passará a contar, cada vez mais, com seu instrumento militar para o atingimento de seus objetivos políticos e estratégicos.
A experiência chinesa oferece lições valiosas — tanto positivas quanto negativas — para outras forças armadas. Do ponto de vista organizacional, a capacidade chinesa de realizar reformas profundas, integrando novos domínios operacionais (ciberespaço, aeroespaço, guerra da informação), demonstra a importância de adaptar estruturas militares a um ambiente estratégico em rápida transformação. Por outro lado, o controle direto do Partido sobre o ELPC reforça um modelo de politização que seria incompatível com democracias liberais, nas quais a profissionalização e a neutralidade política das forças armadas são pilares essenciais. Assim, para países como o Brasil, a principal lição talvez seja dupla: modernizar e integrar capacidades com a mesma rapidez e amplitude vistas na China — mas evitando replicar o grau de centralização política e a subordinação partidária que caracterizam o modelo chinês.
O fortalecimento do Exército de Libertação Popular simboliza a ascensão da China como potência global e a fusão entre poder político e poder militar sob o comando do Partido. Mais que modernizar suas forças, Beijing reforça o papel de suas forças armadas como instrumento de sua grande estratégia nacional, e como expressão da ambição chinesa de exercer uma efetiva liderança na ordem internacional que vem sendo moldada nesta segunda década do século XXI.
Fotografia: Carolina Souza
Leia o número completo aqui
本文是项目《Sinóptica 提纲》杂志的一部分。了解更多关于本项目和其他项目的信息在这里。
本文所表达的观点不代表观中国的立场,仅代表作者个人观点。
订阅每两周一次的通讯,了解所有关于思考和分析当今中国的人的一切。