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Em 2011, na ocasião da III Cúpula dos BRICS, realizada em Sanya, na China, foi oficializada a entrada da África do Sul no agrupamento, que até então reunia os países que conformavam o acrônimo “BRIC”, termo cunhado em 2001 pelo economista do Goldman Sachs, Jim O’neill, para se referir às chamadas “economias emergentes”. Um pouco mais de uma década depois, a possibilidade de uma nova expansão do agrupamento parece cada vez mais concreta. Os principais candidatos seriam a Argentina e o Irã, que declararam publicamente seu interesse em se juntar ao bloco e formalizaram solicitações de adesão.
A institucionalização dos BRICS se desenvolveu em um contexto de contestação às instituições de governança econômica internacional, em particular à subrepresentação dos países emergentes e em desenvolvimento na governança econômica internacional. Os países do até então BRIC convergiam em relação à necessidade de reformar as instituições de Bretton Woods – Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional – , de modo a tornar estes espaços de concertação mais alinhados com a distribuição de poder econômico mundial e com as contribuições dos países emergentes para a recuperação econômica global no período pós-crise de 2008.
As demandas do agrupamento, em um momento inicial, foram direcionadas para a reforma na distribuição das quotas-parte do FMI. A reforma do Banco Mundial e sua reorientação para o financiamento de infraestrutura, carência que afeta de forma direta o desenvolvimento dos países do Sul Global, também constituiu uma demanda comum e um aspecto que era entendido como parte importante da promoção da multipolaridade e da construção de uma ordem global mais equitativa.
Esses entendimentos comuns confluíram para a criação, no contexto da Cúpula de Fortaleza (2014), do Novo Banco de Desenvolvimento, NDB, também conhecido como “Banco dos BRICS”. A institucionalização do NDB, estabelecido com um capital autorizado de US$ 50 bilhões para financiar projetos de infraestrutura sustentável nos países membros e no mundo em desenvolvimento, representou um marco emblemático na evolução da cooperação financeira dos BRICS, que também contempla o Arranjo Contingente de Reservas, ACR, criado com o objetivo de prestar assistência financeira aos países do bloco em momentos de instabilidade e de choques financeiros internacionais.
As visões e percepções internacionais em relação aos BRICS, como bem lembra o professor Paulo Fagundes Visentini, variam entre a panaceia e o ceticismo. De um lado, o bloco foi visto como um sintoma inequívoco do declínio da ordem liberal internacional e a gênese da construção de um ordenamento internacional multipolar, sob a qual os países do Sul Global seriam capazes de forjar arranjos alternativos e promover ações e práticas de cooperação. Por outro lado, o ceticismo em relação aos BRICS se justificava sobretudo pela heterogeneidade, política, econômica e cultural, de seus membros, além de um conjunto de limites para a sua atuação conjunta e coordenada que foram se manifestando ao longo da última década, especialmente.
Primeiro, a falta de complementaridade impediu um maior estreitamento de laços comerciais entre os países-membros, conforme demonstra a evolução das trocas comerciais do Brasil com a África do Sul, Rússia e, em menor medida, Índia. Segundo, a competição sino-indiana por influência no Sul e Sudeste Asiático, com destaque para os receios de Nova Delhi a respeito do desenvolvimento do Corredor Econômico China-Paquistão, influenciou negativamente as bases para a cooperação e inclusive contribuiu para a formação de um quadro de “bilateralismos”, dificultando a construção de respostas conjuntas a desafios globais. Terceiro, as visões colidentes sobre temas como a reforma no Conselho de Segurança do ONU, CSNU, que colocam em lados opostos Brasil e Índia - aspirantes a um assento permanente - e Rússia e China, detentores dos privilégios de membro-permanente e defensores do status quo.
Além disso, a lenta tração do NDB, materializado em desembolsos ligeiramente superiores a US$ 1,5 bilhão entre 2016 e 2020, representava um elemento adicional que aparentemente conferia razão aos céticos do bloco. O economista Paulo Nogueira Batista Jr, ex-vice presidente do Banco, recorda, em sua obra “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”, que os primeiros anos do NDB foram de fato uma “decepção”, em contraste com o começo “auspicioso” da instituição.
A despeito dos desafios, os BRICS, têm se mostrado capazes de preservar sua institucionalidade, realizar Cúpulas de líderes de forma ininterrupta desde 2009 e apresentar avanços em áreas específicas, reafirmando sua importância enquanto espaço de coordenação compartilhado entre as maiores economias emergentes. Os últimos anos ainda apresentaram elementos que apontam para um ressurgimento dos BRICS em um contexto internacional cambiante e marcado por aceleradas transformações estruturais.
De um lado, os desdobramentos da pandemia influenciaram uma atuação renovada do NDB, retratado no compromisso anunciado pelo Banco em financiar até US$ 10 bilhões em empréstimos para auxiliar no combate a Covid-19 e seus efeitos socioeconômicos. Até o final de 2021, haviam sido desembolsados cerca de US$ 9,2 bilhões para essa finalidade em todos os países-membros. O NDB também elevou o seu portfólio de projetos aprovados para US$ 29 bilhões, com desembolsos da ordem de US$ 14,5 bilhões, dos quais aproximadamente 90% se concretizaram entre 2020 e 2021.
A atuação mais ativa do NDB também envolveu a abertura de escritórios regionais, como nos casos de Índia e Brasil. Outro elemento que chama a atenção é a expansão da membresia do Banco, que a partir de 2021 passou a incluir outros quatros países: Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Egito e Uruguai. A Declaração de Beijing, emitida por ocasião da mais recente Cúpula dos BRICS, parabenizou a decisão de admissão dos quatro novos membros, enfatizando a sua contribuição para ampliar a voz e a representação dos países emergentes e em desenvolvimento na governança global.
Por outro lado, o retorno dos BRICS à pauta internacional se relaciona com os recentes contornos da geopolítica global, em particular os efeitos do acirramento da competição entre China e Estados Unidos e as repercussões do conflito na Ucrânia. As tendências de um fortalecimentodas clivagens entre “Ocidente” e “Oriente” reafirma a importância dos BRICS e o caráter estratégico em torno da de agendas como a dos BRICS Plus, introduzida ainda em 2017 pela presidência chinesa nos BRICS.
De volta à presidência-rotativa em 2022, a diplomacia chinesa retoma com maior contundência a agenda de expansão dos BRICS. Como evidência disso, países não-membros foram convidados para a reunião dos Ministros de Relações Exteriores e para a Cúpula dos líderes pela primeira vez após a sua institucionalização dos BRICS. A lista dos países convidados incluiu Argentina, Indonésia, Egito, Cazaquistão, Arabia Saudita, Senegal, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.
Sob a perspectiva chinesa, a expansão da membresia dos BRICS potencialmente contribui para fortalecer e ampliar o escopo de parcerias no Sul Global face ao enfraquecimento de espaços de concertação tradicionais, como o G20, promover o “verdadeiro multilateralismo” e obter respaldo e legitimidade em outras arenas da governança global, incluindo suporte para iniciativas e instituições alternativas, como a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, em inglês) e a Iniciativa de Desenvolvimento Global (GDI, em inglês).Segundo Rafaela Mello e Maria Elena Rodriguez, a entrada do Irã, por exemplo, poderia contribuir para estabilizar a região da Ásia Central e do Oriente Médio, cuja localização é parte central das rotas de transporte na esfera BRI.
Já a Argentina, recém ingressante na BRI, aparece como um aliado estratégico da China e um candidato em potencial para ingresso nos BRICS. Essa possibilidade é reforçada pelo refluxo da atuação do Brasil na América do Sul e a sua proximidade com os Estados Unidos, além do interesse declarado do país em aceder a OCDE. Os laços entre Buenos Aires e Beijing se intensificaram de forma relevante ao longo das últimas décadas, com elevação dos intercâmbios comerciais, forte presença de capitais chineses na construção de infraestruturas e o desenvolvimento de robustos laços de cooperação financeira, envolvendo realização de acordos de swap cambial que atenuam a já frágil estabilidade financeira e macroeconômica da Argentina - além de abrir caminho para a construção de uma gradual redução de dependência em relação ao dólar e ao próprio FMI.
A manifestação de interesse da Argentina em ingressar nos BRICS não é necessariamente uma novidade, remontando o governo de Cristina Kirchner e de seu sucessor, Maurício Macri. Neste novo contexto, porém, a solicitação argentina ganha tração e a sua concretização parece mais provável, considerando o peso dado por Beijing a agenda de expansão dos BRICS sob sua presidência e o aprofundamento do relacionamento sino-argentino. Para o professor Jorge Heine (Boston University), o “capital e o prestígio” dos BRICS desperta o interesse de Buenos Aires, que observa no agrupamento uma possibilidade de ampliar a sua margem de manobra.
Além da China, a Rússia observa na expansão dos BRICS uma oportunidade para diversificar suas parcerias e evitar o isolamento internacional. Para os outros membros, porém, os benefícios ainda são incertos, pairando dúvidas sobre os procedimentos e o ritmo do processo de expansão. Em publicação para a Folha de São Paulo, a professora e pesquisadora Karin Vazquez lembrou dos receios indianos a respeito do “expansionismo chinês”, bem como a insatisfação de Nova Déli com o veto de Beijing à proposta indiana na ONU de listar organizações paquistanesas como grupo terroristas. Não por acaso, os termos “com base no consenso” e “plena consulta” foram incluídos na Declaração da última Cúpula, que não definiu maiores detalhes sobre a expansão dos BRICS.
A visão brasileira sobre este é marcada pela incerteza. A um primeiro olhar, seria possível apontar que a adesão da Argentina aos BRICS ofuscaria o papel de liderança regional do Brasil no bloco e acrescentaria um competidor comercial em grandes mercados agroindustriais, como China e Índia. Ao mesmo tempo, o fortalecimento dos BRICS como uma alternativa de governança do Sul Global e a adoção de uma postura revisionista da ordem liberal não necessariamente refletem as atuais diretrizes da diplomacia brasileira, conforme argumentado por Francisco Xavier Falsetti em publicação recente à Observa China.
Por outro lado, há indícios de que a solicitação de entrada da Argentina contaria não somente com o suporte chinês, mas também brasileiro e indiano, conforme relatos compartilhados por Fermin Koop ao Diálogo Chino. Em abril, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia manifestado seu apoio à entrada da Argentina no NDB.
A racionalidade em torno de um suporte brasileiro poderia ser explicada pela busca de retomar os laços com um dos principais parceiros comerciais do país e revitalizar o diálogo político com Buenos Aires, além de ampliar a representatividade de espaços para atuação global da diplomacia brasileira. Seria possível até mesmo sugerir o interesse de fortalecer uma atuação bilateral na esfera dos BRICS, com efeitos para a coordenação de esforços regionais diante da crescente presença econômica da China na América do Sul.
Essa perspectiva é similar ao que foi defendido pelo ex-Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência do Brasil, Hussein Kalout, em evento online à Universidad Del Cema (UCEMA). Para Kalout, é preciso “sincronizar potencialidades para superar as rivalidades”, isto é, a rivalidade entre Brasil e Argentina deve ser superada em prol de suas necessidades por meio de pautas externas conjuntas. Os BRICS podem ser um vetor comum e de enorme importância para o avanço de interesses comuns.
De toda forma, os BRICS, ao que indica, readquiriram peso estratégico com os recentes desdobramentos sistêmicos, oferecendo novas alternativas à governança global e apresentando-se como espaço estratégico de inserção para a política externa brasileira. Ao novo governo, é imprescindível observar os BRICS com a devida importância em um contexto de reestruturação do multilateralismo global. Para a China, a expansão dos BRICS cumpre o papel de reforçar sua projeção no Sul Global e sua pretensa liderança e proeminência na governança global, legitimando iniciativas e projetos que são atrativos para países que, como a Argentina, buscam se somar em espaços de concertação alinhados com as demandas dos países emergentes e em desenvolvimento.
Por fim, vale mencionar que a concretização deste novo prisma não cabe apenas a uma alteração de estratégia da diplomacia do Brasil. A depender de quem assuma a Casa Rosada em 2024, após uma administração até então marcada por cisões internas e acirramento da crise econômica - , as estratégias argentinas poderão não ser mais focadas no Sul Global e seus foros representativos.
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