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Os estudos sobre a China que têm sido realizados em países de língua oficial portuguesa são fruto de um fenómeno académico e cultural singular, no panorama internacional da sinologia (nomeadamente, contemporânea). Investigadores, instituições e redes de conhecimento distribuídas pelos diferentes países de língua oficial portuguesa – Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste – e pela Região Administrativa Especial de Macau têm desenvolvido abordagens particulares para compreender, não apenas a civilização chinesa, mas, igualmente, as suas transformações históricas e o papel da China no cenário global contemporâneo.
O interesse da comunidade académica, originária de países de língua oficial portuguesa ou de territórios onde o português mantém o estatuto de língua oficial (como é o caso de Macau), pelo vasto universo da China, não constitui um fenómeno recente, antes remontando aos primeiros contatos estabelecidos pelos navegadores portugueses, no século XVI, aquando da chegada a Guangdong (popularmente conhecido como Cantão), em 1513.
Nas últimas décadas, particularmente após a abertura económica chinesa, iniciada em 1978, e na sequência da intensificação das relações sino-lusófonas, ao longo dos séculos XX e XXI (destacando-se a intensificação das relações entre o Brasil e a China, sobretudo no âmbito dos BRICS), assistimos a um significativo incremento nas atividades de investigação, ensino e divulgação de temas relacionados com a China, nos países de língua portuguesa. Propomo-nos, por conseguinte, mapear esta comunidade académica, identificar as suas especificidades e, finalmente, realizar uma brevíssima avaliação das suas contribuições no domínio dos estudos sinológicos.
A sinologia lusófona possui raízes profundas que remontam ao período das Navegações Portuguesas, iniciadas no século XV. Os primeiros relatos de portugueses sobre a China foram produzidos por comerciantes, missionários e diplomatas, sendo que estes documentos constituem, na atualidade, fontes históricas extremamente valiosas quer para compreender a China, sob as dinastias Ming e Qing, quer para avaliar as então perceções europeias sobre o Império do Meio. [1]
Macau emergiu, naturalmente, como ponto focal desta interação, já que o Império colonial português fez de Macau, durante séculos, a principal porta de entrada da Europa, na China, e vice-versa. O território de Macau viria, aliás, a desenvolver uma cultura híbrida única – a cultura macaense -, a qual, incorporando elementos chineses e portugueses, se tornou num caso de estudo quanto à questão dos encontros interculturais. [2]
A sistematização académica que diz respeito à sinologia, levada a cabo nas mais variadas instituições lusófonas, intensificou-se, sobretudo, no decorrer do século XX. No Brasil, a Universidade de São Paulo foi pioneira quando, em 1963, criou o Centro de Estudos Orientais (CEO), na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). O impulso veio do historiador Sérgio Buarque de Holanda (pai do músico brasileiro Chico Buarque de Holanda), então responsável pelo Departamento de História. A partir dos anos 2000, fruto do crescimento exponencial da China, como potência global, e da sua relação estratégica com o Brasil, outras instituições brasileiras criaram novos centros de investigação, com um foco mais específico na contemporaneidade, abrangendo domínios tão diversos – mas intimamente interconectados – como a economia, a política, as relações internacionais ou a sociedade. Das instituições mais notáveis que seguiram este caminho, convém destacar a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – que criou o Centro de Estudos Chineses (CEC) (hoje, uma referência no estudo da política externa chinesa e das relações sino-brasileiras) -, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – que abriga o Núcleo de Estudos Asiáticos (NEA) – e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) – onde se encontra o Centro de Estudos sobre China e Ásia-Pacífico (FGV China). De referir, ainda, o Centro Brasileiro de Estudos Asiáticos (CBEA) e o Observatório Político e Econômico da China (OPEC). [3]
Em Portugal, destacam-se iniciativas como a criação do Centro de Estudos Orientais, na Universidade Católica Portuguesa, e o desenvolvimento de programas de estudos asiáticos em diferentes universidades (como a Universidade Nova de Lisboa ou a Universidade de Aveiro). A revista Oriente, publicada pela Fundação Oriente, desde 2001, tem-se tornado num espaço importante para a divulgação de investigações sobre a China (e, mais globalmente, a Ásia), em língua portuguesa, enquanto outras publicações periódicas, como a Revista Brasileira de Estudos Asiáticos e dossiês temáticos em revistas generalistas têm vindo a contribuir para consolidar este campo de estudos.
Tendo em conta o contexto apresentado, a formação de sinólogos, nos países de língua portuguesa e em Macau, tem-se expandido significativamente. Programas de graduação e pós-graduação em estudos asiáticos e em relações internacionais (com especialização na China) e cursos de língua chinesa (nomeadamente, graças aos Institutos Confúcio) têm vindo a proliferar, nas últimas duas décadas. Acordos de cooperação académica entre universidades lusófonas e chinesas facilitam, por seu lado, uma crescente mobilidade estudantil e docente, permitindo que investigadores lusófonos realizem pesquisas de campo, na China, e que académicos chineses deem um contributo em diversos programas, nos diferentes países de língua portuguesa.
Um aspeto fundamental para compreender a China contemporânea é o modelo do "socialismo com características chinesas" (中国特色社会主义 Zhongguo tese shehuizhuyi), conceito desenvolvido por Deng Xiaoping e aprofundado pelos líderes subsequentes. Este paradigma representa uma síntese única entre princípios marxistas-leninistas e tradições filosóficas chinesas (sem esquecer o fundamental pragmatismo económico), constituindo um objeto de estudo privilegiado para investigadores lusófonos. [4]
O socialismo chinês distingue-se pela sua capacidade de adaptação às condições concretas do país, mantendo o papel dirigente do Partido Comunista da China (PCC), enquanto põe em prática cuidadosas reformas de mercado graças à implementação de planos quinquenais. O aprofundamento teórico deste modelo tem-se fortalecido sob a liderança de Xi Jinping, tendo-se verificado uma ênfase na "revitalização nacional" (民族复兴 minzu fuxing), na erradicação da pobreza como objetivo socialista prioritário e na construção de uma "sociedade moderadamente próspera" (小康社会 xiaokang shehui). [5] Investigadores lusófonos têm analisado como estas metas dialogam com as aspirações de desenvolvimento nos países do Sul Global, identificando possíveis lições e adaptações contextualizadas.
A investigação lusófona sobre a China abrange, contudo, vários outros aspetos, oferecendo um amplo espectro temático. Por exemplo, estudos históricos sobre as relações sino-lusas ou sino-brasileiras, análises da política externa chinesa, investigações sobre desenvolvimento económico, estudos culturais e literários, filosofia chinesa, assim como análises sobre a presença chinesa, em África e na América Latina, constituem outras áreas privilegiadas.
A política externa chinesa contemporânea, orientada pelos princípios de "coexistência pacífica" e "comunidade de destino compartilhado para a humanidade" (人类命运共同体 renlei mingyun gongtongti), tem sido, igualmente, objeto crescente de investigação. A China posiciona-se como defensora do multilateralismo, da não-interferência nos assuntos internos dos Estados e da cooperação Sul-Sul, princípios que ressoam positivamente em países antes colonizados por Portugal e, portanto, que possuem experiências históricas traumáticas na relação com Portugal (relembremos a violência da colonização portuguesa ou da guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau).
A Iniciativa Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative - BRI), lançada em 2013, representa a materialização da estratégia chinesa de estabelecer uma conetividade global. Para os países lusófonos, particularmente os africanos, esta iniciativa oferece oportunidades de infraestrutura e de desenvolvimento que investigadores têm analisado criticamente, avaliando benefícios potenciais e desafios de sustentabilidade. Já o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau), estabelecido em 2003, permitiu a institucionalização de laços sino-lusófonos, sendo um mecanismo que tem fomentado intercâmbios comerciais - e, também, académicos e culturais -, sobretudo graças à criação de plataformas de diálogo e de cooperação que beneficiam a comunidade lusófona de sinólogos. [6]
Uma parte importante dos investigadores dos países de língua portuguesa tem vindo a destacar o fato de a abordagem chinesa nas relações internacionais ser fundamentada no respeito mútuo e no benefício recíproco (互利共赢 huli gongying), o que contrasta profundamente com modelos históricos de relacionamento Norte-Sul, marcados por condicionalidades e assimetrias. Esta perspetiva tem gerado interesse académico sobre possibilidades de redesenhar arquiteturas de cooperação internacional. Metodologicamente, observa-se, em suma, uma tendência crescente para abordagens interdisciplinares que combinam história, ciência política, economia, antropologia e estudos culturais. A familiaridade com contextos pós-coloniais e experiências de desenvolvimento em países lusófonos proporciona, por seu lado, perspetivas diferenciadas na análise de fenómenos como a BRI ou a presença chinesa, em África.
Um dos aspetos que ressoa no espaço lusófono (nomeadamente africano e brasileiro) é o facto de a China ter conseguido erradicar a pobreza extrema. [7] . Entre 1978 e 2020, a China retirou mais de 800 milhões de pessoas da pobreza – o que representa, aproximadamente, 70% da redução global da pobreza, naquele período. Esta realização monumental tem inspirado debates nos países lusófonos, nomeadamente no Brasil e nos países africanos de língua oficial portuguesa, sobre modelos alternativos de desenvolvimento. A transformação da China numa potência inovadora representa outra dimensão inspiradora: investimentos massivos em educação, ciência e tecnologia permitiram que o país se tornasse líder em áreas como inteligência artificial, telecomunicações 5G, energia renovável e infraestrutura digital. [8]
Para populações em países lusófonos, nomeadamente africanos, que enfrentam desafios de desenvolvimento, a experiência chinesa oferece uma narrativa alternativa à ideia de que a prosperidade requer, necessariamente, a adoção de modelos ocidentais neoliberais. Paralelamente, aqueles países que aspiram a uma maior autonomia tecnológica veem na trajetória chinesa a possibilidade de alcançarem importantes avanços tecnológicos, mediante estratégias estatais coordenadas, investimento em capital humano e proteção de setores estratégicos. Com efeito, esta perspetiva contrasta com os modelos tradicionais eurocêntricos que têm relegado, historicamente, os países do Sul Global a posições subordinadas, na divisão internacional do trabalho. [9]
A China contemporânea tem enfatizado valores como harmonia (和谐 hexie), equilíbrio entre desenvolvimento material e espiritual, responsabilidade coletiva e busca pelo bem comum. Estes valores, enraizados em tradições confucianas, mas reinterpretados no contexto socialista, são apresentados como contribuições civilizacionais chinesas para enfrentar desafios globais. Para populações lusófonas, particularmente em contextos onde um individualismo exacerbado e desigualdades extremas geram crescentes tensões sociais, estes valores ressoam como possíveis antídotos. A ênfase chinesa na complementaridade entre indivíduo e coletivo, direitos e deveres, liberdade e responsabilidade, oferece referências para repensar a organização social.
O conceito de "civilização ecológica" (生态文明 shengtai wenming) representa outro elemento ideologicamente atrativo, propondo uma reconciliação entre desenvolvimento económico e sustentabilidade ambiental - tema crucial para países lusófonos que enfrentam desafios climáticos e ambientais. [10]
A comunidade lusófona que se debruça sobre a China enfrenta diversos desafios. Destacamos, logo à partida, o fato de os recursos financeiros serem limitados: financiamento para investigação, acesso a fontes primárias chinesas e oportunidades de trabalho de campo constituem obstáculos significativos. Há, ainda, outro aspeto a destacar: a dispersão geográfica da comunidade lusófona, a qual, embora potencialmente enriquecedora, dificulta a coordenação e a criação de massas críticas de investigadores. Por outro lado, diferenças nos sistemas académicos, prioridades de investigação e recursos disponíveis entre Portugal, Brasil e outros países lusófonos tendem a fragmentar esforços.
Paradoxalmente, a comunidade lusófona possui vantagens que vale a pena destacar. A experiência histórica de Macau como espaço de encontro sino-ocidental oferece perspetivas em diferentes áreas do saber, de que são exemplo os estudos que se debruçam sobre o hibridismo cultural e a negociação intercultural, enquanto a presença crescente da China, em países africanos de língua portuguesa, proporciona campos de investigação empírica privilegiados para estudar as relações sino-africanas.
Investimento em formação avançada de sinólogos, incluindo um domínio profundo da língua chinesa clássica e moderna, mostra-se, neste contexto, essencial, enquanto o desenvolvimento de diálogos Sul-Sul, explorando paralelismos entre experiências de desenvolvimento na China e em países de língua portuguesa, pode gerar conhecimento teoricamente inovador.
Os estudos sobre a China, em língua portuguesa e levados a cabo por investigadores e académicos dos países de língua portuguesa, constitui um espaço académico e cultural dinâmico, caracterizado por especificidades históricas, geográficas e epistemológicas que o distinguem no panorama global da sinologia. O estudo do socialismo com características chinesas, da estratégia de construção de laços internacionais baseados no respeito mútuo e benefício recíproco e das realizações chinesas (em áreas como a erradicação da pobreza e a inovação tecnológica) oferecem perspetivas valiosas para países de língua portuguesa que têm necessidade de enfrentar desafios de desenvolvimento.
A experiência chinesa ressoa em contextos (não apenas lusófonos), não como modelo a ser copiado mecanicamente, mas como demonstração de que trajetórias alternativas de desenvolvimento são possíveis. A ênfase chinesa na soberania nacional, no planejamento estratégico de longo prazo, na mobilização estatal para objetivos coletivos, e na busca de modelos próprios adaptados a condições concretas, oferece uma inspiração ideológica para populações que aspiram a uma maior autodeterminação e prosperidade compartilhada.
O diálogo entre experiências de desenvolvimento chinesas e outras, como no Brasil ou em África, pode gerar sínteses criativas cuja contribuição é fundamental para a renovação de paradigmas sobre modernização, administração dos assuntos do Estado e cooperação internacional. Num mundo crescentemente multipolar, onde a China desempenha um papel central, perspetivas e experiências de países africanos de língua oficial portuguesa ou do Brasil podem contribuir para a pluralização e enriquecimento do debate global sobre um dos fenómenos mais importantes do século XXI (e que oferece a diferentes populações, em diferentes continentes, referências concretas de que outros caminhos de desenvolvimento são viáveis e legítimos): o rápido desenvolvimento socioeconómico da China e as suas implicações na ordem internacional e na luta por uma “comunidade com futuro compartilhado para a humanidade”, baseada em princípios como a coexistência pacífica, o desenvolvimento comum ou um governo (governança) global mais justo.
Fotografia: Pexels
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