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Os padrões técnicos (standards) constituem o alicerce da economia digital contemporânea, viabilizando a interoperabilidade e a coordenação dos mercados de alta tecnologia. [1] Conceitualmente, um standard é um conjunto de regras, parâmetros ou especificações que garantem compatibilidade funcional em determinado domínio tecnológico. [2] Segundo Zingales et al. (2025), sua função é reduzir custos de transação, alinhar expectativas técnicas e criar ambiente seguro para inovação. [3] É nos segmentos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) que os padrões técnicos revelam sua maior importância.
Os padrões de TICs, e áreas correlatas, permeiam a vida cotidiana. Estão presentes na conectividade (USB e HDMI), proporcionando a integração entre equipamentos; em redes móveis e em tecnologias de conexão sem fio (como 5G e Wi-Fi); em formatos de compressão de áudio (MP3 e AAC), que garantem compatibilidade entre plataformas de mídia; em protocolos de comunicação sem fio (Bluetooth); em tecnologias de vídeo (AVC e HEVC), adotadas em serviços de streaming, entre outros.
Os standards são desenvolvidos por organizações de padronização (Standard-Development Organizations, SDOs na sigla em inglês). Essas entidades reúnem empresas, engenheiros e centros de pesquisa para avaliar tecnologias e, por consenso técnico, definir as soluções mais eficientes, que serão incorporadas ao padrão. [4] As SDOs exercem duas funções: servir como fórum para selecionar tecnologias adequadas às redes globais, garantindo interoperabilidade, segurança e confiabilidade; e estabelecer regras que regulam a relação entre desenvolvedores e implementadores. [5]
É nesse ambiente que se inserem as patentes necessárias para a implementação de padrões técnicos privados ou, como são comumente conhecidas, “essenciais” (Standard-Essential Patents – SEPs, na sigla em inglês). Uma patente é um título com eficácia territorial, concedido pelo Estado para garantir exclusividade temporária na exploração de uma tecnologia. [6] A essencialidade, por seu turno, se estabelece com uma autodeclaração: quando um membro da SDO identifica que sua patente abrange tecnologias candidatas ao padrão, deve informar. A patente será essencial quando a implementação do standard exigir, de modo inevitável, o uso da tecnologia reivindicada.
Logo, a SEP conecta o regime da propriedade intelectual (PI) ao da padronização, transformando invenções individuais em insumos para cadeias globais. [7] A busca pelo acesso ao mercado internacional e à competitividade naturalmente leva implementadores a adotar tecnologias padronizadas, implicando no uso das SEPs dos desenvolvedores e, por consequência, negociações frequentes de licenças de uso, em contraste com a lógica patentária clássica de exclusividade.
Em setores que exigem interoperabilidade, o licenciamento é indispensável: sem acesso às tecnologias essenciais, não há implementação do padrão; sem padrão, não existe interoperabilidade; e sem interoperabilidade, perde-se a lógica econômica da padronização. [8] O licenciamento, portanto, constitui a espinha dorsal do regime de SEPs. Para preservar a integridade do processo, as SDOs demandam que titulares de SEPs assumam compromissos de licenciá-las em termos justos, razoáveis e não discriminatórios (FRAND, sigla em inglês para Fair, Reasonable, and Non-Discriminatory). [9]
Por não definir termos universais ex ante, o compromisso FRAND funciona como um contrato cuja efetivação depende de negociação de boa-fé entre as partes. [10] Logo, o equilíbrio entre exclusividade e acesso, no contexto das SEPs, não deriva de regras rígidas, mas da interlocução contínua entre desenvolvedores e implementadores — interação que permite que o sistema global de standards funcione de modo eficiente e sustentável.
Na negociação de licenças FRAND, teme-se o hold-out — quando implementadores voluntariamente atrasam negociações ou usam a tecnologia sem licença, apostando que a responsabilização futura será mais vantajosa — e, em sentido oposto, o hold-up, quando desenvolvedores exigem royalties acima do valor FRAND. [11]
Não raro, falhas na autocomposição de dissensos entre esses atores geram disputas judiciais, muitas vezes multijurisdicionais, sobretudo casos de enforcement do direito de SEP contra quem utiliza tecnologia padronizada sem licenciamento. Nesse contexto, empresas chinesas, especialmente as “Big Teles”, como Huawei, ZTE e Oppo, posicionam-se como axiais nos litígios, participando tanto no polo ativo (desenvolvedoras) quanto no polo passivo (implementadoras), dentro e fora do território chinês, influenciando de forma crescente a dinâmica global desse tipo de conflito. [12]
A China é, sobretudo, uma das dez economias mais inovadoras do mundo, liderando globalmente em indicadores de conhecimento e resultados tecnológicos. O êxito das empresas chinesas em tecnologias críticas decorre de um modelo baseado em quatro pilares: (i) investimento intensivo em P&D; (ii) financiamento robusto, muitas vezes viabilizado por bancos estatais; (iii) mercado interno de escala colossal; e (iv) proteção estratégica dos interesses nacionais, a exemplo de seu sólido sistema de patentes. Esses fatores por si só impulsionam a competitividade das empresas chinesas, sobretudo nas telecomunicações, e posicionam a China como ator determinante na definição global de padrões.
A China concentra o maior número de depósitos de pedidos e concessões de patente do mundo por meio da sua Administração Nacional da Propriedade Intelectual (CNIPA), o escritório de patentes chinês. Em 2023, a CNIPA recebeu aproximadamente 1,68 milhão de pedidos de patentes, mantendo-se à frente dos Estados Unidos (USPTO) (598 mil) e do Japão (JPO) (300 mil). O país se destaca ainda mais no setor de TICs: empresas chinesas do segmento aparecem no ranking global de maiores depositantes de pedidos de patente, como mostra o gráfico seguinte.

Principais depositantes de pedidos de patente do mundo. [13]
Nessa esteira, a padronização também aparece como um vetor de fortalecimento da competitividade chinesa. Um indicador desse movimento são as SEPs. Empresas sediadas na China respondem por mais de 40% das famílias de patentes declaradas essenciais para o padrão da tecnologia 5G, enquanto empresas da Europa, Coreia do Sul e Estados Unidos detêm, individualmente, entre 15% e 20%. Ademais, as Big Teles chinesas fazem parte do núcleo que mais converte investimentos em P&D e participação ativa em organismos de padronização (as SDOs) em portfólios densos de SEPs, altamente relevantes para tecnologias de conectividade. Dados da Academia Chinesa de Tecnologia da Informação e Comunicação indicam que a Huawei obtém 12,42% e a ZTE cerca de 7% das SEPs de 5G. Ranking da LexisNexis IP que lista as 50 maiores detentoras de SEPs de 5G e contribuintes para padrões técnicos mostra que 11 são chinesas, equivalente a 22% do total.
Esses números indicam que a inovação do 5G concentra-se na indústria chinesa, conferindo ao país poder de negociação no ecossistema internacional de padrões.
A evolução tecnológica sino-orientada veio acompanhada de amadurecimento institucional visível. Tribunais céleres, técnicos e especializados passaram a ter papel relevante nas disputas judiciais de SEP, sobretudo na definição de parâmetros de licenciamento sob termos FRAND em portfólios globais e na adoção de medidas processuais excepcionais.
Em 2020, por exemplo, a China concedeu sua primeira anti-suit injunction, ordem judicial que impõe a obrigação de não ajuizar novas ações judiciais ou de suspender processos em outras jurisdições. [14] A decisão foi proferida pelo Supremo Tribunal Popular em Huawei v. Conversant, no qual se proibiu a execução de tutela de urgência obtida pela Conversant em ação de infração nos tribunais alemães contra a Huawei enquanto o litígio chinês estivesse pendente, sob pena de multa diária de um milhão de yuans. [15] A decisão revelou a intenção das cortes chinesas de resguardar empresas locais e garantir a eficácia de suas ordens por meio de sanções pecuniárias, mesmo diante de sobreposição jurisdicional.
Em 2023, após provocação da Oppo em ação judicial contra a Nokia, pela primeira vez um tribunal chinês fixou royalties globais para SEPs que cobrem padrões 4G e 5G. Ao adotar metodologia quantitativa baseada em patentes concedidas e pendentes, rejeitando análises qualitativas de essencialidade, a Corte de Chongqing sinalizou preferência por modelos que favorecem portfólios em rápida expansão, típicos das empresas chinesas. Desde então, a China se firmou como jurisdição capaz de fixar taxas e termos FRAND com efeito global, a requerimento de uma parte. [16]
Práticas judiciais com efeitos além-fronteiras exigem cautela. Embora o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) estabeleça parâmetros mínimos para harmonização, qualquer tipo de expansão de efeitos judiciais para além das fronteiras nacionais tensiona princípios de soberania e previsibilidade regulatória. [17] O tema torna-se particularmente significativo na PI, regida fortemente por uma lógica territorial, especialmente nas SEPs, que viabilizam a interoperabilidade global.
Nesta toada, a União Europeia apresentou duas reclamações contra a China perante o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC). A primeira, em 2022, convertida em painel, contesta o uso de anti-suit injunctions pelos tribunais chineses. [18] A segunda, em 2025, questiona a competência dessas cortes para definir termos FRAND e taxas globais, inclusive sobre patentes estrangeiras. [19] Além de Oppo v. Nokia, a prática aparece em casos como InterDigital v. Oppo e Oppo v. Sharp, por exemplo. [20] Embora distintas em suas bases, ambas reclamações revelam um traço comum: decisões judiciais chinesas projetando efeitos sobre ativos de PI em outras jurisdições e impulsionando discussões no mundo todo.
Os arranjos que caracterizam a vigente atuação chinesa em SEPs decorrem da alteração de licenciada para detentora e monetizadora de tecnologias essenciais. Essa dança das cadeiras, legítima para fortalecer a indústria nacional, repercute em negociações e fundamenta políticas e decisões que buscam valorizar ativos tecnológicos internos.
Evidencia-se, portanto, que a relevância da China no ecossistemas de SEPs e de padrões técnicos vai além do volume de patentes. O país passou a influenciar parâmetros substantivos e institucionais da governança, apoiado por capacidade inovadora, participação em SDOs e pela atuação de seu judiciário especializado. Ao privilegiar empresas e ativos locais, por exemplo, o modelo chinês impacta o licenciamento à nível internacional e reacende debates sobre princípios norteadores da propriedade intelectual — como a territorialidade, consagrada em acordos internacionais.
Torna-se, assim, fundamental articular a inovação, a padronização e o licenciamento às bases da PI, pois esses elementos em conjunto estruturam o regime de SEPs. No presente, observa-se a ascensão das empresas e dos tribunais chineses nesse cenário, evidenciando um movimento global relevante — ainda que marcado por especificidades sujeitas a discussão. Para as próximas décadas, uma única certeza se impõe: o futuro das tecnologias padronizadas será escrito sob influência chinesa.
Fotografia: Pexels
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