“A cultura tem o poder de conectar nações.”

“A cultura tem o poder de conectar nações.”

Entrevista a Sun Yanping 孙艳萍 por Alessandra Lemos

Revista Sinóptica 提纲

24 DE JUNHO DE 2025
Alessandra Lemos

Professora da Hebei University, historiadora e diretora chinesa do Instituto Confúcio da PUC-Rio, Sun Yanping fala sobre sua trajetória acadêmica, o papel do ensino de mandarim no Brasil e os caminhos para o diálogo cultural sino-brasileiro.

Em meio às transformações da ordem internacional, cresce o interesse por uma compreensão mais profunda da China. Não apenas como potência econômica e tecnológica, mas como civilização milenar com valores, visões e práticas próprias. Nesse contexto, os Institutos Confúcio têm atuado como importantes vetores de aproximação cultural e educacional entre a China e diversos países — inclusive o Brasil.

Nesta entrevista, conversamos com Sun Yanping, também conhecida como Sônia Sun, professora do Departamento de História da Hebei University (河北大学历史学院) e atual diretora chinesa do Instituto Confúcio da PUC-Rio (里约热内卢天主教大学孔子学院). Com doutorado em História Estrangeira pela Universidade Normal de Beijing, ela compartilha sua trajetória e sua visão sobre cultura, ensino de línguas e as possibilidades de cooperação entre Brasil e China.

Para começarmos, a senhora poderia contar brevemente sua trajetória acadêmica e profissional, e como chegou à direção do Instituto Confúcio?

É sempre um prazer compartilhar com vocês a incrível jornada que me trouxe até aqui e o importante trabalho do Instituto Confúcio. Em primeiro lugar, minha trajetória acadêmica sempre esteve profundamente entrelaçada com a história e a cultura do meu país. Desde muito jovem, sou fascinado pela riqueza da história, das dinastias, da filosofia e da evolução contínua da nossa civilização chinesas e, depois de me formar com um PhD em História Estrangeira pela Universidade Normal de Beijing em 2007, entrei para o Departamento de História da Universidade de Hebei, onde ensinei cursos de História Cultural Mundial e História Urbana Mundial e tive o privilégio de orientar vários jovens talentosos. Ao longo dos anos, minha pesquisa se concentrou nas interações culturais e econômicas da China com o mundo, o que me deu uma compreensão abrangente da importância do intercâmbio cultural. A partir de 2022, fui designado pela HBU para atuar como diretora chinesa do Instituto Confúcio PUC-Rio, construído em cooperação com a PUC-Rio, o que é uma missão de trabalho, mas também uma extensão natural de meus interesses de pesquisa e experiência, permitindo-me contribuir positivamente para a promoção do entendimento mútuo entre a China e outros países, especialmente o Brasil.

O que o Instituto Confúcio representa hoje no Brasil em termos de ensino de mandarim e difusão da cultura chinesa?

No Brasil, os Institutos Confúcio representam um ponto para a disseminação do mandarim e da rica cultura chinesa. Atuamos como um centro de aprendizado de idiomas, oferecendo cursos para vários níveis e públicos, desde crianças até profissionais. Mas vamos além do simples ensino do idioma. Nós nos esforçamos para ser uma janela para a compreensão da filosofia, da arte, da música, da culinária e de outros aspectos que constituem a identidade chinesa. Por meio de eventos culturais, como apresentações de música tradicional, oficinas de caligrafia e pintura, exibição de filmes e comemorações de festivais chineses, nosso objetivo é construir pontes de conhecimento e apreciação entre nossas duas nações, bem aqui no belo Rio de Janeiro.

Há, na sua visão, mitos ou equívocos comuns sobre a atuação dos Institutos Confúcio no exterior?

Inevitavelmente, há alguns mitos e equívocos comuns sobre a operação dos Institutos Confúcio no exterior. Às vezes, somos erroneamente vistos como instrumentos de influência política. É importante esclarecer que nossos Institutos Confúcio são instituições educacionais de língua chinesa sem fins lucrativos estabelecidas por universidades chinesas e estrangeiras de forma voluntária, e nossas atividades educacionais e culturais são abertas e transparentes, da mesma forma que as da Alliance française, do Goethe-Institut na Alemanha e do Instituto Cervantes na Espanha. Confúcio, assim como seu contemporâneo Sócrates, é um famoso pensador, filósofo e educador, e suas ideias de “harmonia entre as nações” e “benevolência e amor ao próximo” são a riqueza espiritual comum de todo o mundo e têm um forte significado de referência para o mundo lidar com o relacionamento entre os seres humanos e as nações atualmente. Nossas atividades são conduzidas com transparência e em colaboração com nossa estimada instituição parceira brasileira, a PUC-Rio, sempre respeitando a autonomia e os valores locais. Nosso objetivo é construir pontes de entendimento por meio da educação e da cultura, e não impor qualquer tipo de visão política.

Em um cenário de tensões geopolíticas crescentes, como a senhora enxerga o papel da cultura e da língua como canais de aproximação entre Brasil e China?

Em tempos de tensões geopolíticas, acredito firmemente que a cultura e o idioma desempenham um papel ainda mais crucial como canais de aproximação. A cultura tem o poder de transcender as fronteiras políticas e ideológicas, conectando as pessoas em um nível humano fundamental. Aprender o idioma de outra nação abre as portas para uma compreensão mais profunda de sua maneira de pensar, seus valores e sua visão de mundo. Ao promover o aprendizado do mandarim e o envolvimento com a cultura chinesa no Brasil, e vice-versa, estamos investindo na construção de relacionamentos mais fortes baseados no respeito mútuo e na empatia. O diálogo cultural, especialmente aqui no Rio de Janeiro, é uma ferramenta poderosa para mitigar mal-entendidos e fortalecer os laços bilaterais.

Qual é o perfil do público que busca o Instituto Confúcio atualmente? Houve mudanças nos últimos anos?

O perfil do público que procura o Instituto Confúcio da PUC-Rio é bastante diversificado e tem evoluído nos últimos anos. Inicialmente, havia um interesse significativo de estudantes universitários e acadêmicos. Hoje, observamos um interesse crescente de profissionais de diversas áreas, como negócios, direito e turismo, que reconhecem a importância do mandarim e da compreensão da cultura chinesa em um mundo globalizado. Também notamos um aumento significativo no interesse de crianças e adolescentes aqui mesmo no Rio, o que é muito encorajador, pois demonstra um apreço precoce pela China. Em suma, o público tem se tornado mais amplo e reflete a crescente relevância da China no cenário global.

Quais são os principais desafios enfrentados hoje no ensino da língua e da cultura chinesas no Brasil?

Os principais desafios enfrentados no ensino da língua e da cultura chinesas no Brasil atualmente são multifacetados. A complexidade da escrita e da pronúncia do chinês exige métodos de ensino eficazes e recursos educacionais adequados. A distância cultural também representa um desafio, pois é necessário contextualizar os aspectos culturais chineses dentro da realidade brasileira para facilitar a compreensão, especialmente para nossos alunos aqui no Rio. Além disso, a disponibilidade de professores qualificados e de materiais didáticos em português ainda é limitada. Para superar esses desafios, é necessário um investimento contínuo no treinamento de professores, no desenvolvimento de materiais didáticos bilíngues e na criação de oportunidades de intercâmbio cultural que proporcionem experiências imersivas para nossos dedicados alunos aqui na PUC-Rio e fora dela.

Como a senhora avalia a percepção da China no Brasil — tanto no ambiente midiático quanto no meio acadêmico?

A percepção da China no Brasil é uma questão complexa e dinâmica. Na mídia, é comum vermos uma cobertura focada em aspectos econômicos e políticos, nem sempre com a profundidade necessária para captar a riqueza da cultura chinesa e a complexidade da sociedade chinesa. Na academia, por outro lado, incluindo a vibrante comunidade acadêmica aqui no Rio, há um interesse crescente e uma produção intelectual mais aprofundada sobre a China, abrangendo vários campos, como história, economia, relações internacionais e estudos culturais. No entanto, ainda há espaço para ampliar e aprofundar o conhecimento sobre a China no Brasil, tanto na mídia quanto no meio acadêmico, promovendo uma visão mais matizada e abrangente.

Que autores, livros ou experiências mais influenciaram sua formação intelectual e profissional na área de estudos chineses?

Em meu desenvolvimento intelectual e profissional, vários autores, livros e experiências foram particularmente influentes. Gostaria de mencionar os clássicos da historiografia chinesa, como as obras de Sima Qian(司马迁), que me apresentaram a profundidade e a continuidade de nossa história. Os escritos de Confúcio e de outros pensadores antigos me ensinaram sobre a importância da ética, da harmonia e do aprendizado contínuo. Os escritos do escritor chinês moderno Lu Xun(鲁迅) e As histórias de Heródoto também tiveram um impacto na formação de minha visão de mundo além dos livros, as viagens que realizei pela China, Alemanha, Itália, França, Espanha, Sérvia e outros países e as interações com acadêmicos de diferentes culturas enriqueceram imensamente minha compreensão do mundo e a importância do diálogo intercultural, experiências que frequentemente compartilho com meus alunos aqui no Rio.

Quais são os projetos futuros ou as perspectivas que o Instituto Confúcio tem para os próximos anos?

Para os próximos anos, o Instituto Confúcio PUC-Rio tem vários projetos e perspectivas interessantes. Nosso objetivo é expandir nossas ofertas de cursos de mandarim, atingindo um público ainda maior no Rio de Janeiro e em outras regiões do Brasil. Planejamos fortalecer nossas já fortes parcerias com a PUC-Rio e outras universidades e instituições brasileiras, desenvolvendo projetos conjuntos de pesquisa e programas de intercâmbio para alunos e professores. Também buscamos ampliar nossas atividades culturais aqui no campus e na comunidade carioca em geral, utilizando novas tecnologias e formatos para tornar a cultura chinesa mais acessível e envolvente para o público brasileiro. Uma de nossas principais metas é solidificar nosso instituto como um centro de referência ainda maior para o estudo da China no Brasil.

Por fim, que conselhos a senhora daria a jovens brasileiros interessados em estudar a China nos dias de hoje?

Finalmente, para os jovens brasileiros interessados em estudar a China hoje, especialmente as mentes brilhantes que temos aqui no Rio, meu conselho é que cultivem a curiosidade e a mente aberta. A China é um país fascinante, com cinco milênios de história e um dinamismo contemporâneo impressionante. Mergulhem no aprendizado do idioma mandarim, explorem sua rica cultura, leiam seus autores, assistam a seus filmes e experimentem sua culinária. Busque oportunidades de intercâmbio e viagens para conhecer a realidade chinesa em primeira mão. Lembre-se de que estudar a China não é apenas uma busca acadêmica, mas também uma oportunidade de ampliar seus horizontes, desenvolver novas habilidades e construir pontes entre nossas duas grandes culturas. O futuro das relações Brasil-China é promissor, e os jovens com conhecimento e interesse em ambos os países desempenharão um papel fundamental na formação desse futuro.

Fotografia: HONG SON, Pexels

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Editado por

Caterina Paiva
Caterina Paiva

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