As Reformas chinesas sob Xi a partir da perspectiva do Sonho Chinês 中国梦

16 AUGUST 2023
As Reformas chinesas sob Xi a partir da perspectiva do Sonho Chinês 中国梦

A China é o principal exportador mundial de bens, a principal potência manufatureira, o principal credor dos Estados Unidos e possui o segundo maior PIB nominal - o que, medindo com o índice PPP (Purchasing Power Parity) faz com que o PIB chinês seja considerado o maior por uma boa margem. [1] No livro “El Sueño Chino,” o autor Osvaldo Rosales levanta alguns índices ilustrativos: em 2005, a China construía o equivalente ao tamanho da superfície de Roma a cada 2 semanas; entre 2011 e 2013, a China usou mais cimento do que os Estados Unidos em todo o século XX; em 2011, uma empresa chinesa construiu um arranha-céu de 30 andares em 15 dias; [2] entre 2011 e 2015, a China construiu a maior rede de ferrovias de alta velocidade do mundo; e desde 2008, a cada 2 anos, o aumento do PIB da China se iguala ao PIB total da Índia. Como participação global, o valor agregado das manufaturas de alta tecnologia chinesas passou de 7% em 2003 para 27% em 2014.

Em um período de mais ou menos quarenta anos, a China conseguiu realizar um tremendo processo de redução da pobreza, chegando, em 2020, a tirar 800 milhões de pessoas da linha da extrema pobreza. O país realizou um imenso salto produtivo, gerando autossuficiência nas culturas básicas, como arroz, milho e trigo, a despeito de contar com uma das menores terras agricultáveis per capita do mundo. No mesmo sentido, têm alcançado autonomia e melhoramento tecnológico. Apesar do rápido processo de crescimento econômico, a China também tem enfrentado importantes desafios, como desigualdade de renda, corrupção e problemas ambientais, que exigem uma visão clara e unificadora para abordá-los e promover um desenvolvimento sustentável e uma estabilidade social duradoura.

O Sonho Chinês (中国梦 Zhongguo Meng) - divulgado em 2013 por Xi Jinping - é um projeto político nacional em torno da própria existência do país, uma promessa de modernização, desenvolvimento e renovação do prestígio chinês durante os séculos. O Sonho Chinês promovido por Xi recorre aos ideais de outros líderes chineses como Sun Yat-Sen, Mao Zedong e Deng Xiaoping.

Os últimos anos, conforme elucidado por Xi no 20º Congresso do Partido, marcariam o início de uma nova fase de construção de um país socialista modernizado, mencionando a necessidade de se estabelecer unidade em busca do Sonho Chinês. O presidente Xi implementou diversas estratégias para difundir e o consolidar na sociedade. Por meio de campanhas de propaganda e programas educacionais, buscou-se implementar os valores e princípios associados a esse sonho, com o objetivo de fortalecer a coesão social e a lealdade ao governo e ao Partido Comunista Chinês (PCCh). O propósito é criar um consenso e um sentido de identidade coletiva enraizados na visão de Xi de uma China próspera, poderosa, moderna e com um papel destacado no cenário internacional. [4]

Entender o Sonho Chinês requer entender o papel da China nos anos em que vigorava o Império do Meio, antes de sofrer sob a bota do imperialismo no, agora conhecido como, “Século das Humilhações” que ditou o fim do Império e uma Primeira República bastante agitada, terminando apenas com a fundação da República Popular da China (em 1949). A Primeira Guerra do Ópio (1839-1842) data o início desse período, em que o imperialismo ocidental e japonês na China foi particularmente flagrante. Dão-se ali as invasões territoriais, a obrigação de assinatura dos tratados desiguais, a queima do Palácio de Verão do Imperador, o pagamento de quantias absurdas para a Inglaterra como indenização pelo ópio perdido, o estabelecimento das tarifas de importação baixas, o domínio britânico que solidificou-se em Hong Kong, entre outros. É nesse seguimento que nasce as correntes de modernização chinesas, como resposta à dominação imperialista, tendo em seu cerne uma crítica ao capitalismo ocidental. Fortalecendo-se na tradição marxista, que vai gerar o próprio PCCh, finalmente instaura-se a República Popular da China com a vitória de Mao Zedong na guerra civil envolvendo os comunistas e os nacionalistas. Nesse sentido, o papel do PCCh e sua relação com a cultura tradicional do país desempenham um papel fundamental na promoção do Sonho Chinês, gerando um arcabouço normativo e institucional na República Popular.

É também nesse sentido que o legado histórico da China imperial ressoa de maneira interessante com o Sonho Chinês proposto por Xi Jinping. Este conceito busca restaurar a grandeza nacional e o papel central da China nos assuntos mundiais. Ao olharmos para trás nos séculos imperiais, observamos uma China que exercia uma influência poderosa no leste asiático e além, frequentemente considerada como o centro da civilização pelas próprias elites chinesas. Os líderes chineses daquela época eram recebidos com respeito e homenagem em visitas diplomáticas de outras nações da região, refletindo a importância e respeito que lhes eram atribuídos naquele momento. [5]

Num sentido mais amplo, a ideia de uma China como líder regional, influente e autossuficiente, que não apenas faz comércio com outros países, mas também estabelece relações baseadas em respeito mútuo e cooperação, está alinhada com a imagem da China no período imperial. A promoção de uma economia poderosa e moderna com avanço em setores tecnológicos, em paralelo com a forte capacidade de produção dos períodos imperiais torna-se assim um fator fulcral.

No entanto, é importante notar que esta comparação não deve ser simplista, visto que existem diferenças significativas entre a China imperial e a China contemporânea. O Sonho Chinês abarca aspectos políticos, sociais e culturais que não têm necessariamente paralelos na antiguidade. Mesmo assim, ao compreender como a história informa a visão contemporânea de liderança e desenvolvimento do país, podemos apreciar melhor como o Sonho Chinês tem suas raízes em uma narrativa mais ampla da identidade e interesses da China no cenário global.

Embora nas primeiras décadas do sistema comunista tendesse-se a rejeitar e suprimir a cultura tradicional chinesa, considerando-a como um vestígio da sociedade feudal e oposta aos ideais comunistas, ao longo do tempo o partido reconheceu seu valor como fonte de identidade nacional e a promoveu dentro dos limites ideológicos estabelecidos. [6] O confucionismo, em particular, tem sido encorajado como uma base ética e cultural para o desenvolvimento da China, enfatizando valores como harmonia, respeito à autoridade e busca do bem-estar coletivo. [7] No entanto, essa promoção cultural também tem gerado tensões e preocupações em relação aos direitos humanos e às liberdades individuais, pois alguns críticos argumentam que poderia limitar a liberdade de expressão e incentivar a conformidade em detrimento do pensamento crítico. Nesse sentido, o partido enfrenta o desafio de equilibrar os valores tradicionais com a modernização e a abertura na sociedade chinesa. [8]

Em termos de política externa, o Sonho Chinês teve um impacto significativo na diplomacia da China. A Iniciativa Cinturão e Rota é um exemplo proeminente dessa estratégia, que busca impulsionar a conectividade econômica e a cooperação com outros países ao longo das antigas rotas comerciais. Além disso, a diplomacia chinesa tem buscado fortalecer sua presença no cenário internacional, especialmente em regiões como o Mar do Sul da China e a região do Oceano Índico, onde tem se esforçado para reafirmar sua soberania e expandir sua presença militar.

As implicações de segurança do Sonho Chinês também são um aspecto importante a ser considerado. A China tem buscado fortalecer sua capacidade defensiva e expandir sua influência no campo da segurança regional e global. [9] Isso se manifestou no aumento dos gastos militares e na modernização de suas forças armadas, o que gerou tensões com outros atores regionais, elevando a incerteza quanto ao futuro da estabilidade e do equilíbrio de poder na região da Ásia-Pacífico. Além disso, a crescente dependência da China em recursos naturais e rotas comerciais estratégicas tem levado a uma maior ênfase na segurança marítima e energética.

A modernização (social, econômica, tecnológica e militar) aparece então como um elemento de continuidade na política doméstica e na política externa chinesa. O aspecto da modernização talvez seja o único elemento que não sofreu alteração nos governos desde a fundação da República Popular. Essa modernização, imbuída nos projetos de longo-prazo de desenvolvimento econômico e social são pré-requisitos para a existência do Império do Meio no sistema internacional. São condicionantes da atuação chinesa porque tanto para o povo quanto para o Partido, só há espaço para a China nas relações globais se o país for desenvolvido, forte e harmonioso. O conceito de Sonho Chinês é absolutamente inseparável das estratégias políticas e econômicas adotadas desde a fundação da República Popular da China. A sociedade harmoniosa, com seus papéis exercidos com maestria e o líder que entrega resultados - premissas básicas no entendimento confucionista para uma boa governança - através da sua visão de longo prazo são cláusulas obrigatórias para esse desenvolvimento.

Referências

  1. Em janeiro de 2018, a China possuía 1,095 trilhão da dívida nacional dos EUA em títulos do tesouro.
  2. Michel Aglietta e Bai Guo, China 's Development: Capitalism and Empire (Londres: Routledge, 2014).
  3. Osvaldo Rosales El Sueño Chino (Buenos Aires: Siglo XXI, 2020).
  4. Wang Hu, "Contemporary Chinese Thought and the Question of Modernity," Social Text 55 (1997): 9-44.
  5. Augusto Alvarez, "Resenha: La segunda revolución china de Eugenio Bregolat (2007)," Estudios Internacionales 40 no. 159 (2008): 183–186.
  6. John Fairbank e Merle Goldman, China: A new history. (Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press, 2006).
  7. Mariola Durruti, "El Despertar del Neoconfucianismo en China. Impacto en el discurso político del Partido Comunista Chino," Memoria y Civilización 14 (2011): 201-221.
  8. Daniel Bell, China's New Confucianism (Princeton: Princeton University Press, 2008).
  9. CHAI, W., & CHAI, M. (2013). "The Meaning of Xi Jinping’s Chinese Dream" American Journal of Chinese Studies 20 no.2 (2013): 95–97.

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