No Brasil, na China e no mundo como um todo tem se notado a mobilização de debates e esforços atinentes às agendas de sustentabilidade, transição energética e justiça climática, atualmente inseridas no núcleo das estratégias nacionais e internacionais de desenvolvimento e cooperação. Às vésperas da COP-30, que será realizada no Brasil, o imperativo de construir trajetórias de desenvolvimento ambientalmente responsáveis e socialmente inclusivas torna-se ainda mais urgente.
A China ocupa um papel central nessas transformações, com suas relações com o Sul Global adquirindo novos significados e contornos. Coordenada pelo Núcleo de Trabalho sobre Energia e Sustentabilidade, a segunda edição da Revista Sinóptica 提纲 convida à reflexão e reúne uma coletânea de artigos e contribuições que articulam a China às agendas de mudanças climáticas e transição energética, proporcionando enfoques e perspectivas diferenciados.
Nestas esferas, pode-se visualizar a centralidade da China em diversos aspectos. O país, atualmente segunda maior economia do mundo, se destaca por ser a maior emissora de Gases do Efeito Estufa (GEE), respondendo por aproximadamente um terço das emissões globais. A matriz energética e o consumo primário de energia são dominados pelo uso de combustíveis fósseis, especialmente carvão, que corresponde a cerca de 58% da geração de eletricidade no país.
Paralelamente, a China se destaca ao liderar os investimentos globais em energias renováveis e transição energética. Apenas em 2024, esses investimentos somaram US$818 bilhões, montante superior às somas dos Estados Unidos (US$338 bilhões) e da União Europeia (US$375 bilhões), e equivalente a 40% do total global. Em energias renováveis, o predomínio também é notável, com a China reunindo cerca de 43% da capacidade solar instalada globalmente, bem como 40% da potência eólica. A meta de atingir 1200 GW de capacidade renovável instalada, prevista para 2030, foi cumprida com cinco anos de antecedência.
A partir de uma reorientação de seu modelo de crescimento, com foco em qualidade e no desenvolvimento setores ligados à inovação e a sustentabilidade, a China gradualmente se impulsionou a posição de centro manufatureiro, exportador e de inovação em uma ampla de tecnologias verdes, conforme observado nos segmentos de painéis solares, turbinas eólicas, sistemas de transmissão, baterias, veículos elétricos, entre outras soluções de baixo carbono e seus padrões associados. [1] O protagonismo se estende aos estágios de extração e processamento de minerais críticos, incluindo cobre, lítio, níquel, cobalto, manganês e elementos de terras raras, essenciais para a produção dessas tecnologias.
Outros fatores também contribuíram para a conformação deste cenário, no qual a China emerge como um dos principais promotores da transição energética e do desenvolvimento de baixo carbono. [2] As vulnerabilidades ambientais e climáticas de um país continental, com carências em termos de terras aráveis e recursos hídricos, somado com a problemática da poluição atmosférica nos centros urbanos, favoreceram o senso de urgência e reforçaram a necessidade de priorizar a temática ambiental e de sustentabilidade no âmbito das políticas de planejamento e desenvolvimento, notadamente a partir da publicação da Lei de Energias Renováveis (2007) e do 12ª Plano Quinquenal (2011-2015). Além disso, a insegurança energética, reflexo da posição de grande importador de energia, ofereceram incentivos adicionais para o desenvolvimento de políticas favoráveis à expansão das energias renováveis, particularmente eólica e solar. [3]
A concepção do desenvolvimento sustentável como oportunidade estratégica também repercutiu no papel da China nas negociações climáticas internacionais, especialmente após a Conferência de Copenhagen (COP15), contexto em que se notou uma maior proatividade do país na construção do Acordo do Paris, com papel decisivo para o seu desfecho exitoso. O período posterior ao Acordo confirmou a proeminência da China no regime internacional do clima, incluindo o compromisso com a meta de neutralidade de carbono até 2060, anunciado às vésperas da COP-26. Mais recentemente, presidente Xi Jinping anunciou que a China renovará suas Contribuições Nacionais Determinadas (NDCs, em inglês) até COP-30, sob um novo Plano Climático, com medidas direcionadas à mitigação das emissões na em todos os setores econômicos e abrangendo a integralidade dos gases causadores de efeito estufa.
Como repercussão de ajustes no regime de crescimento e de compromissos assumidos externamente, nota-se também uma reorientação das diretrizes associadas à internacionalização de empresas e entidades de financiamentos chinesas, crescentemente orientadas sob os postulados da Civilização Ecológica e do desenvolvimento sustentável. [4] No âmbito destas diretrizes, das quais se incluem propostas de “esverdeamento” da Iniciativa Cinturão e Rota, destaca-se a mudança de perfil dos investimentos e financiamentos chineses, com a priorização ao desenvolvimento de projetos “pequenos e bonitos” e o enfoque em segmentos de “novas infraestruturas”, designação abrangente e que incorpora setores de maior sofisticação tecnológica e produtiva e com relativo destaque aos setores de renováveis e transição energética.
Destas emergentes dinâmicas, suscitam-se uma diversidade de questionamentos, especialmente quanto aos impactos, significados e perspectivas quanto ao papel da China e suas contribuições para o enfrentamento da crise climática e a promoção do desenvolvimento sustentável no Sul Global, sobretudo. Observa-se, nos artigos e contribuições presentes nesta edição, valiosas perspectivas, que subsidiam a qualificação do debate entre acadêmicos, profissionais, estudantes e interessados nos temas que refletem a importância da China para a mitigação das mudanças climáticas e a construção de sistemas de energia justos, seguros e sustentáveis.
Nesse sentido, o artigo de João Simões oferece uma perspectiva abrangente acerca da transição energética, com destaque ao papel de vanguarda atualmente exercido pela China, manifestado em políticas e metas ambiciosas. Simões também enfatiza um contraponto à visão geopolítica centrada no conflito e na competição por recursos, sublinhando a concepção de “transnacionalismo energético”, centrada na cooperação internacional e na necessidade de seu alinhamento ao uso da energia como catalisador da estabilidade e do desenvolvimento internacional.
Sob a perspectiva das oportunidades de cooperação, as contribuições de Ingrid Elias destacam os protagonismos de Brasil e China nas agendas de energia e sustentabilidade e sua relevância para o estreitamento dos laços bilaterais. Com base em um acumulado de cooperação e de expertises e complementaridades, a cooperação sino-brasileira tem se expressado na alocação de investimentos chineses em energias renováveis, construção de infraestruturas energéticas, pavimentação de acordos em tecnologias de baixo carbono e incorporação da sustentabilidade em projetos bilaterais de intercâmbio científico e tecnológico. A extensão das sinergias para as áreas de agricultura de baixo carbono também é salientada, bem como a necessidade de aprofundar o diálogo bilateral e o compromisso contínuo com a inovação e as práticas sustentáveis.
Igualmente no âmbito das relações entre Brasil e China, as observações de Theodora Domingues contribuem para uma perspectiva regional, centrada na Amazônia e em sua relevância estratégica. Domingues descreve as características dos investimentos chineses na Amazônia, cujo engajamento incorpora a construção de empreendimentos hidrelétricos e infraestruturas de transmissão de eletricidade, a expansão das atividades produtivas no Polo Industrial de Manaus e os interesses ligados à expansão de grandes obras de logística e conexão regional e inter-regional. Deste envolvimento, no qual se mesclam oportunidades e desafios socioambientais, torna-se essencial a adoção de processos robustos de due dilligence, garantia a consulta livre, prévia e informada, fortalecimento das entidades estatais de fiscalização, reforço da transparência e promoção de modelos de desenvolvimento inclusivos e sustentáveis.
Similarmente atentos às dinâmicas associadas ao papel da China nas agendas de energia e sustentabilidade, os apontamentos de Ana Carolina Zappa, Cassiano Schwantes e Gustavo Cardozo trazem à tona a temática dos minerais críticos, com enfoque nos investimentos chineses na América do Sul e suas implicações geopolíticas. Recordam os autores a posição dominante da China em todos os estágios ligados à produção e ao refino de minerais críticos e a relevância estratégica da América do Sul, abundante em recursos de lítio, cobre, elementos de terras raras, entre outros. Além disso, são apresentadas a expansão da presença chinesa e a concorrência (e reação) de potências ocidentais, bem como os riscos associados para a América Latina, entre os quais a perpetuação da subordinação produtiva e tecnológica. As recomendações incluem a reativação de mecanismos de integração regional, a adoção de políticas de inserção internacional autônomas e a necessidade de promover iniciativas de agregação de valor e fortalecimento de capacidades industriais locais.
Por sua vez, Felipe Heiermann aborda a temática da agenda dos oceanos, ainda pouco explorada, embora com enorme significância para os debates sobre sustentabilidade e desenvolvimento. Argumenta Heiermann que esta agenda se tornou central no século XXI, sobretudo ao articular desenvolvimento, segurança alimentar e energética e governança ambiental. Para a China, os oceanos são dotados de relevância geopolítica e ambiental, reveladas por um amplo conjunto de políticas de proteção ambiental e estratégias de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), balizadas pelo conceito de “comunidade marítima de futuro compartilhado”. É frisada, ademais, a liderança chinesa na construção de parques eólicos offshore, coordenação de missões de pesquisa em águas profundas e estabelecimento de acordos multilaterais de defesa da biodiversidade marinha.
Por fim, Daniel Murray traz contribuições de significativa pertinência, pontuando o estado atual das políticas de conservação da biodiversidade e de financiamento climático na China. Quanto à conversão da biodiversidade, Murray identifica no planejamento estatal um fator-chave para compreensão dos progressos chineses na restauração de ecossistemas, controle de poluição e ampliação do estoque florestal, ao mesmo tempo em que ressalta o papel da diplomacia do país na coordenação de diálogos multilaterais. Em relação ao financiamento climático, essencial para o debate sobre desenvolvimento e preservação ambiental, aponta-se a China como o maior emissor global de títulos verdes e os esforços empreendidos para mobilização de recursos para financiamento de ações climáticas nos países em desenvolvimento.
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