A crescente presença da China na extração de minerais críticos na América Latina tem ganhado destaque no contexto da transição energética global. Recursos como lítio, cobre, nióbio e gálio são insumos fundamentais para tecnologias associadas à descarbonização, como baterias para veículos elétricos, turbinas eólicas, painéis solares e sistemas de armazenamento de energia.
Diante da crescente demanda por essas matérias-primas, a América Latina — especialmente países como Argentina, Bolívia, Chile, Brasil e México — tornou-se um eixo estratégico para a segurança energética e industrial global. Nesse cenário, os investimentos chineses na região não apenas garantem o acesso a recursos vitais, como também consolidam a posição do país como líder nas cadeias de valor verde. Ao mesmo tempo, essa dinâmica reconfigura os alinhamentos geopolíticos no hemisfério ocidental, tornando o controle de minerais críticos uma arena central da disputa entre China e as potências ocidentais. O papel da China na mineração de minerais críticos na América Latina
A crescente demanda por minerais estratégicos tem impulsionado uma nova corrida global por recursos, sendo a China um dos principais protagonistas. Nos últimos anos, o país consolidou sua presença na América Latina como parte de uma estratégia mais ampla voltada à transição energética e à segurança industrial. Minerais como lítio, cobre, níquel, cobalto, manganês e terras raras são essenciais para tecnologias como baterias de íon-lítio, veículos elétricos, eletrolisadores de hidrogênio, turbinas eólicas, ímãs permanentes e sistemas de transmissão elétrica — todos indispensáveis para a descarbonização da economia global.
Em 2022, por exemplo, a China foi destino de 95,5% das exportações de minério de ferro do Peru, além de controlar significativa fatia da produção e refino global de minerais críticos: cerca de 50% do lítio, 73% do cobalto, 68% do níquel e 40% do cobre. [1] Essa posição dominante permite ao país exercer forte influência sobre os preços globais e os fluxos comerciais desses recursos.
A Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative - BRI), combinada à estratégia "Going Out", tem sido fundamental para a expansão chinesa. Por meio dessas iniciativas, empresas como Ganfeng Lithium, Zijin Mining Group e BYD têm firmado acordos estratégicos na América Latina, especialmente no chamado “Triângulo do Lítio” (Argentina, Bolívia e Chile).
Esses acordos incluem investimentos diretos, joint ventures e contratos de longo prazo, envolvendo não apenas a extração, mas também o refino e a produção local de componentes, fortalecendo o domínio chinês nas cadeias de valor.
Além do lítio, outros minerais vêm sendo incorporados aos projetos chineses na região. O cobre e o níquel, fundamentais para veículos elétricos e redes elétricas modernas, são alvos de interesse em países como Peru e Brasil. Já o gálio — utilizado sobretudo em dispositivos semicondutores, sensores e radares militares — tem menor relevância direta na transição energética, mas reforça a dimensão tecnológica e estratégica dos investimentos chineses.
Esse movimento, contudo, não passa despercebido pelas potências ocidentais. Estados Unidos e União Europeia têm promovido estratégias de friendshoring, buscando criar cadeias de suprimento resilientes com países aliados, com destaque para a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global (Partnership for Global Infrastructure Investment - PGII) do G7 e os programas Critical Minerals Partnership e Mineral Security Partnership. O objetivo é reduzir a dependência da China e garantir o acesso a recursos essenciais, especialmente diante da competição tecnológica e energética global.
Na América Latina, a resposta ocidental tem sido mais lenta, muitas vezes limitada por exigências regulatórias, condicionalidades ambientais e restrições financeiras. Em contrapartida, o modelo chinês oferece maior rapidez e flexibilidade, o que tem despertado interesse em diversos governos e empresas da região, apesar dos riscos de dependência e assimetrias estruturais.
Portanto, o avanço chinês na mineração de minerais críticos na América Latina representa mais que uma simples estratégia econômica: trata-se de um reposicionamento geopolítico ancorado na construção de novas infraestruturas energéticas e industriais, com implicações diretas para a soberania tecnológica das nações envolvidas e para o equilíbrio global na era da descarbonização.
A política externa chinesa tem cunhado o termo “novas infraestruturas” (new infrastructure) para marcar uma nova etapa de seus investimentos externos, voltada à inovação tecnológica e à sustentabilidade. [2] Diferente das grandes aquisições de ativos baseadas na sobrecapacidade industrial, essa nova abordagem prioriza áreas como ciência e tecnologia para energia verde, tecnologias de extração e refino de minerais críticos, e pequenas infraestruturas dedicadas ao processamento local de matérias-primas. [3]
Nesse cenário, a América Latina, rica em minerais essenciais como lítio, cobre, níquel e terras raras, tornou-se uma arena estratégica para a transição energética global. O peso da China como principal parceira comercial de diversos países da região representa um desafio considerável para os Estados Unidos e seus aliados, que buscam alternativas para garantir o acesso a cadeias de suprimento mais seguras e diversificadas.
Conforme mencionado, surgiram iniciativas ocidentais voltadas especificamente à questão dos minerais críticos. Os Estados Unidos lançaram o Minerals Security Partnership (MSP), uma coalizão global que visa assegurar cadeias de suprimento estratégicas para minerais essenciais. Até o momento, Argentina, Equador, México e Peru aderiram ao fórum do projeto. [4] Complementarmente, a Americas Partnership for Economic Prosperity (APEP), lançada em 2023 pela administração Biden, inclui como uma de suas metas a construção de cadeias de valor regionais em minerais críticos, além de financiamento climático e infraestrutura energética.
A União Europeia, por sua vez, enfrenta uma dependência crítica: importa 25 dos 35 minerais estratégicos definidos como essenciais para sua transição energética. Para mitigar essa vulnerabilidade, lançou a Global Gateway Strategy em 2021, voltada a parcerias sustentáveis em infraestrutura, energia e matérias-primas, incluindo países latino-americanos.
Em 2020, a Comissão Europeia já havia publicado o plano Critical Raw Materials Resilience, que identificava Brasil e Chile como fornecedores-chave de nióbio e lítio, respectivamente. A nova agenda da UE para a América Latina e Caribe, apresentada em 2023, reforça a intenção de estabelecer acordos comerciais focados em matérias-primas sustentáveis, em cooperação com a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e blocos regionais como o Mercosul.
Apesar dessas iniciativas, os obstáculos permanecem significativos. A capacidade de investimento chinês, a velocidade de execução de seus projetos e a flexibilidade diplomática ainda superam as ofertas ocidentais em muitos casos. Além disso, a influência financeira exercida por Beijing e o seu controle sobre infraestruturas estratégicas constituem fatores que potencialmente dificultam a reversão de alianças já consolidadas.
Por fim, embora os EUA e a UE ainda detenham vantagens em termos de soft power e tecnologia, sua presença na mineração e no refino de minerais críticos continua limitada na América Latina. A competição, nesse setor, é marcada menos por discursos ideológicos e mais por capacidade concreta de investimento, agilidade institucional e pragmatismo nas parcerias.
A China, atual principal parceira comercial da América do Sul, deverá dobrar seu comércio com a América Latina até 2035. Apesar disso, o estoque de investimentos diretos chineses na região permanece inferior ao dos Estados Unidos e da União Europeia, refletindo a recente mudança estratégica de Beijing, agora voltada à novas infraestruturas baseadas em inovação tecnológica. [5]
Essa transição pode abrir brechas para outros atores, embora os desafios persistem. O governo Trump retomou políticas tarifárias que afetam aliados regionais, como Brasil e México, alimentando incertezas e criando vácuos de poder que a China tende a preencher. [6] A União Europeia, por sua vez, enfrenta um dilema: o distanciamento dos EUA pode tanto dificultar o acesso europeu a acordos comerciais quanto facilitar sua inserção, se Washington mantiver distâncias comerciais com a região.
A posição de protagonismo da China na mineração latino-americana pode crescer ainda mais, ameaçando o fornecimento de minerais críticos a indústrias ocidentais. Caso não haja uma resposta coordenada, os países da região seguirão como meros exportadores de matérias-primas, com baixa agregação de valor e pouca autonomia estratégica.
Nesse contexto, destaca-se a importância de retomar projetos de integração regional, como o Mercosul, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), com foco em cadeias produtivas e não apenas extrativas. [7] A América Latina possui potencial para se inserir de forma assertiva nas cadeias globais de valor, mas precisa superar entraves institucionais e redefinir sua inserção no sistema internacional.
Assim, o futuro da região dependerá da sua capacidade de negociar de forma pragmática com as grandes potências, diversificando parceiros e fortalecendo a soberania sobre seus recursos. A atual corrida por minerais críticos representa não apenas um risco, mas uma oportunidade histórica de desenvolvimento regional sustentável.
A crescente presença chinesa na exploração de minerais críticos na América Latina reflete uma estratégia geopolítica com contornos definidos, voltada à consolidação de sua liderança tecnológica. Embora tenha ampliado a influência econômica de Beijing na região, essa dinâmica também provocou reações por parte dos Estados Unidos e da União Europeia, que buscam conter a concentração chinesa sobre recursos estratégicos vitais para a transição energética.
No entanto, o verdadeiro ponto de inflexão reside na forma como a América Latina responderá a esse cenário. A região enfrenta o desafio de evitar a repetição de um modelo econômico baseado apenas na exportação de matérias-primas, o que perpetua sua vulnerabilidade histórica. Para isso, é fundamental promover a agregação de valor às suas cadeias produtivas, desenvolver capacidades industriais locais e fortalecer a integração regional.
Diante da disputa entre grandes potências, uma inserção internacional mais independente e estratégica permitirá que os países latino-americanos não apenas participem da transição energética global, mas também avancem em direção a um modelo de desenvolvimento sustentável e soberano. O modo como esses desafios serão enfrentados determinará não só o papel da região no novo mapa geoeconômico mundial, mas também a qualidade de seu crescimento nas próximas décadas.
Fotografia: Sharath G., Pexels
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