
As relações entre o Brasil e a China vêm se consolidando como uma das mais promissoras parcerias do século XXI, sustentadas por interesses estratégicos, complementaridade econômica e uma crescente convergência política em torno da defesa de uma ordem internacional multipolar e mais equitativa. A cooperação entre os dois países ultrapassa, há muito, o âmbito meramente comercial, estendendo-se às áreas de ciência, tecnologia, educação, cultura e, mais recentemente, ao esporte, um campo que se revela cada vez mais relevante no exercício da diplomacia pública e na promoção de entendimentos mútuos entre os povos.
Nesse contexto, a diplomacia do esporte surge como um instrumento poderoso de aproximação Brasil-China, capaz de fomentar o intercâmbio humano, cultural e científico e de contribuir para a construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade, conforme proposto pelo líder chinês Xi Jinping. O esporte, e em especial o futebol, é um fenômeno cultural, econômico e geopolítico de alcance global. Trata-se de uma linguagem universal que transcende barreiras linguísticas, políticas e ideológicas, promovendo identidade, pertencimento e solidariedade entre os povos.
O esporte é uma das expressões mais completas da cultura e da sociedade humanas. Ele traduz valores, forja identidades e, ao mesmo tempo, constitui um setor econômico de dimensões colossais. Segundo estudo recente, a indústria esportiva global movimenta cerca de 2,65 trilhões de dólares, e a China respondia, em 2023, por aproximadamente US$ 503 bilhões desse montante, o que representa 1,15% do seu PIB nacional. A estimativa é que a indústria chinesa atinja US$ 813 bilhões ao fim de 2025.
O planejamento estatal chinês, expresso no Plano de Desenvolvimento do Futebol da China a Médio e Longo Prazo (2016–2050), projeta que o setor esportivo alcance 5% do PIB até 2035, colocando o país no caminho para se tornar uma das maiores economias esportivas do mundo. Essa ambição está diretamente associada à realização do Sonho Chinês de rejuvenescimento da nação, conceito central do pensamento de Xi Jinping, que expressa a busca pela Prosperidade Comum e pela construção de uma Comunidade de Destino Partilhado para a Humanidade.
O desenvolvimento do esporte na China é entendido não apenas como objetivo econômico, mas também como instrumento de bem-estar social, coesão nacional e diplomacia internacional. Como em outras dimensões do socialismo com características chinesas, o Estado desempenha papel ativo e planificado na construção criativa, colaborando diretamente na criação de novos hábitos culturais, comportamentos e indústrias. A promoção da cultura esportiva, especialmente do futebol, é vista como motor de inovação social e produtiva, capaz de dinamizar setores como o entretenimento, a educação, a saúde e o turismo, contribuindo para um desenvolvimento equilibrado e inclusivo.
O “jogo bonito”, expressão consagrada para designar o futebol, pode, assim, desempenhar papel relevante na concretização do Sonho Chinês. O futebol constrói pontes, fortalece laços e cria oportunidades de diálogo intercultural. No caso chinês, o esporte se articula com uma estratégia mais ampla de diplomacia do esporte, já evidenciada pela realização de megaeventos como os Jogos Olímpicos de Pequim 2008 e 2022 e os Jogos Asiáticos de Hangzhou 2022. Esses eventos projetam a imagem da China como liderança cooperativa e pacífica no sistema internacional.
O esporte possui uma dimensão geopolítica inegável. A diplomacia esportiva, compreendida como o uso estratégico do esporte como ferramenta de diplomacia pública, permite que as nações alcancem objetivos políticos e econômicos, ao mesmo tempo em que moldam positivamente sua imagem internacional.
Desde a fundação da República Popular, em 1949, o esporte tem exercido papel relevante na diplomacia chinesa. A “sovietização do esporte chinês” nos primeiros anos ajudou a criar um sistema de elite e aproximou o país de nações socialistas. Décadas depois, a famosa “Diplomacia do Pingue-Pongue”, em 1971, aproximou China e Estados Unidos, abrindo caminho para o restabelecimento de relações diplomáticas. Paralelamente, a “Diplomacia dos Estádios” consolidou o papel da China como parceira estratégica de países africanos, asiáticos e latino-americanos, contribuindo para o fortalecimento do Sul Global.
Essas estratégias refletem a concepção de que o esporte é um instrumento de projeção internacional pacífica, uma forma de diplomacia pública que expressa valores de amizade, solidariedade e desenvolvimento conjunto. Como afirmou Nelson Mandela, “o esporte tem o poder de mudar o mundo”. Essa ideia inspira a diplomacia chinesa, que compreende o esporte como veículo de integração e construção de confiança entre os povos.
No caso das relações Brasil-China, o esporte ocupa um lugar cada vez mais destacado. As relações bilaterais ganharam novo impulso com a visita de Estado do presidente Xi Jinping ao Brasil em novembro de 2024, quando foram assinados 37 atos bilaterais abrangendo agricultura, ciência, tecnologia, cultura e educação. Entre eles, um documento de especial relevância: o Memorando de Entendimento sobre Cooperação Esportiva entre o Ministério do Esporte do Brasil e a Administração Geral do Esporte da China.
Esse acordo prevê o desenvolvimento de intercâmbios esportivos com base no respeito mútuo, na igualdade e no benefício recíproco, abrangendo desde o esporte competitivo até o esporte para todos, passando pela ciência, medicina esportiva e intercâmbios entre associações e especialistas.
O memorando representa não apenas um marco bilateral, mas um passo estratégico dentro da lógica da cooperação Sul-Sul e da globalização com características chinesas, que se contrapõe ao modelo neoliberal e busca promover inclusão, diversidade e ganhos mútuos. Ele também se conecta à Declaração Conjunta China-Brasil sobre a Formação da Comunidade de Futuro Compartilhado, que reafirma o compromisso dos dois países com um mundo mais justo e sustentável.
O Brasil, reconhecido como o “país do futebol”, detém vasto capital simbólico e cultural associado à modalidade, tornando-se referência global em talento e criatividade. A China, por sua vez, vê no futebol uma oportunidade de modernização, desenvolvimento e projeção internacional. Essa complementaridade é a base da parceria esportiva: o Brasil oferece conhecimento técnico e experiência histórica; a China aporta infraestrutura, planejamento e investimento.
A cooperação sino-brasileira no esporte pode gerar resultados concretos em diversas frentes. Universidades e centros de pesquisa podem desempenhar papel central na produção de conhecimento compartilhado. Acordos entre instituições podem servir de modelo de intercâmbio acadêmico, científico e esportivo.
Para a China, a parceria com o Brasil oferece a oportunidade de aprender com a metodologia e a cultura futebolística brasileira, contribuindo para o desenvolvimento de uma prática esportiva mais ampla e enraizada socialmente. Para o Brasil, a experiência chinesa de planejamento estatal, massificação esportiva e excelência olímpica pode inspirar políticas públicas mais estruturadas, capazes de integrar educação, saúde e desenvolvimento econômico.
O esporte, portanto, é não apenas um vetor cultural, mas também um motor econômico e educacional, capaz de gerar inovação social e novos mercados. Em ambos os países, a consolidação de uma indústria esportiva robusta tem potencial para criar empregos, dinamizar o turismo, fortalecer o consumo interno e melhorar a qualidade de vida das populações.
A diplomacia esportiva Brasil-China reflete a interseção entre cultura, economia e política internacional. O esporte é, por excelência, um espaço de encontro e diálogo entre civilizações. Em discurso na 16ª Cúpula do BRICS, Xi Jinping destacou a importância de “aproveitar plenamente o potencial inexplorado de cooperação em áreas como esportes”, promovendo “o espírito de inclusão e coexistência harmoniosa entre as civilizações”.
Essa visão confere ao esporte um papel que transcende a competição: ele se torna uma plataforma de diplomacia cultural e humana, que envolve múltiplos atores: governos, universidades, federações, clubes, atletas e torcedores. Essa diplomacia de base social reforça os laços humanos e institucionais, tornando o esporte uma ponte entre as sociedades brasileira e chinesa.
Por meio dessa cooperação, Brasil e China reafirmam o compromisso com uma ordem internacional multipolar e cooperativa, na qual os países do Sul Global constroem alternativas concretas às hegemonias tradicionais. O esporte, com seu caráter pacífico e universal, é um dos caminhos mais eficazes para alcançar essa meta.
A diplomacia esportiva entre Brasil e China é mais do que uma política de intercâmbio: é uma expressão simbólica e prática de um projeto civilizacional. Unindo o “jogo bonito” e o “Sonho Chinês”, os dois países podem demonstrar que é possível construir um futuro compartilhado baseado na solidariedade, no respeito e no benefício mútuo.
Internamente, o esporte promove saúde, inclusão, coesão social e desenvolvimento econômico. Externamente, constrói pontes e fortalece relações internacionais pacíficas e cooperativas. Através do futebol, que é uma das linguagens mais universais da humanidade, Brasil e China podem não apenas ampliar sua cooperação bilateral, mas também oferecer ao mundo um novo paradigma de relações internacionais, pautado na cooperação, na amizade e no desenvolvimento conjunto.
O esporte, portanto, é mais do que um jogo: é um projeto de humanidade. Ao fazer do futebol uma ferramenta de diplomacia e de aproximação entre povos, Brasil e China jogam juntos por algo maior: um mundo de prosperidade comum, harmonia global e destino partilhado.
Fotografia: Pexels
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