
Fundada em 2020, a Observa China 观中国 nasceu do impulso coletivo de pesquisadores e profissionais de diversas áreas e da urgência de se estabelecer um espaço dedicado à análise crítica, interdisciplinar e situada da China. Desde a sua origem, o projeto se propôs a decifrar a complexidade chinesa com rigor e sensibilidade, recusando simplificações e estereótipos que não raro permeiam os discursos midiáticos e acadêmicos sobre o país asiático. Tenho o privilégio de fazer parte dessa história desde 2021 e consigo afirmar que, mesmo diante de múltiplas transformações internas e externas, a organização se mantém fiel ao propósito que a inspirou desde o primeiro dia: promover uma leitura plural, contextualizada, independente e comprometida da experiência chinesa.
Ao longo de cinco anos, a Observa China 观中国 consolidou-se como um verdadeiro think and net tank, expressão que, embora carregue anglicismos que sempre evitamos, traduz a sua natureza híbrida: um espaço de formulação de ideias e uma rede de colaboração intelectual. Sua estrutura horizontalizada, seus núcleos temáticos e sua atuação 100% digital tornaram possível crescer justamente durante a pandemia da COVID-19, quando as fronteiras físicas se fecharam e o isolamento se impôs como norma global. Nesse período, a Observa ergueu pontes: conectou saberes, geografias e experiências em torno de um mesmo desejo, o de compreender um país cuja presença no sistema internacional se tornou incontornável.
No mesmo momento, a China consolidou sua liderança no movimento de “Re-globalização”, assumindo papel central como formuladora de alternativas normativas e institucionais em um cenário internacional marcado por tensões geopolíticas, fragmentação econômica e disputas tecnológicas. A estratégia de “neutralidade ativa” — combinação singular de pragmatismo diplomático e projeção normativa — exemplifica essa postura. Mais do que resistir às pressões externas, a China demonstra capacidade de propor soluções e construir alianças, sobretudo com países do Sul Global, ampliando sua presença por meio de investimentos, cooperação técnica e projetos de infraestrutura. Essa estratégia se materializa em iniciativas como a Nova Rota da Seda, os bancos de financiamento, liderança em tecnologias digitais (como Alibaba, Huawei, Tencent, Deepseek, entre outras), uso do Renminbi em transações internacionais, além de fóruns multilaterais e acordos bilaterais. Esse conjunto de ações desafia paradigmas tradicionais da ordem internacional e aponta para novas formas de integração e governança global.
A Observa China 观中国 procura acompanhar e compreender essas novas dinâmicas. Afinal, o projeto surgiu da percepção de que havia espaço para enriquecer o debate sobre tais especificidades da China em língua portuguesa. Embora já existisse uma trajetória importante de estudos e análises nesse campo, o acesso a materiais qualificados em português ainda podia ser considerado mais restrito em comparação a outros idiomas. [1] A convicção de que esse diálogo poderia ganhar muito em pluralismo levou à escolha consciente da língua portuguesa como veículo das atividades da Observa. Essa decisão, longe de ser apenas técnica, foi também política: afirma a centralidade da Lusofonia como espaço legítimo de produção intelectual e de interlocução com a China, país que tem investido sistematicamente na aproximação com nações de língua portuguesa, seja por meio de fóruns multilaterais ou de parcerias bilaterais em áreas estratégicas como energia, infraestrutura, educação e tecnologia.
Gerida integralmente de forma voluntária, a Observa é resultado do trabalho de pessoas que dedicam tempo, energia e afeto à construção de uma rede viva. São pesquisadores, professores, jornalistas, estudantes, advogados e profissionais das mais diversas áreas que com generosidade, competência e seriedade, mantêm a engrenagem em movimento. Embora enfrente limitações operacionais e dependa continuamente da mobilização de recursos, a gestão voluntária da organização é um testemunho da força das redes intelectuais que se formam a partir de afinidades temáticas e éticas, e que resistem mesmo diante das adversidades.
A terceira edição da obra coletiva Revista Sinóptica 提纲 vem para celebrar a trajetória construída até então e, ao mesmo tempo, projetar o futuro. Reúne textos que não se organizam em torno de uma única conversa, mas convergem em um eixo comum: a China como objeto de estudo e sujeito de transformação constante. Integram esta publicação trabalhos autorados por integrantes da nossa comunidade, que abordam diversos eixos que estruturam o debate contemporâneo sobre a “terra do meio” — da reconfiguração das cadeias produtivas globais à emergência de novas infraestruturas digitais; da ressignificação das instituições estatais à projeção internacional de modelos alternativos de desenvolvimento; da filosofia clássica à inovação tecnológica; da arte à diplomacia climática.
Tal diversidade temática reflete não apenas a complexidade do objeto de estudo, mas também a riqueza da rede que se formou em torno da Observa China 观中国. Cada texto é expressão de um olhar situado, de uma trajetória intelectual que se entrelaça com outras, compondo um mosaico de interpretações e assuntos que, longe de buscar consenso, valorizam a pluralidade como método e como princípio.
Ao comemorar cinco anos com essa edição especial que, diga-se de passagem, está irretocável, a Observa China 观中国 reafirma-se como um espaço de mediação epistêmica, capaz de conectar a complexidade chinesa aos desafios contemporâneos e às possibilidades do mundo lusófono. Mais do que simplesmente “observar” a China, busca-se, aqui, contribuir para a construção de uma gramática própria de trabalho, com identidade e orientada pela perspectiva do Sul Global, que reconheça a historicidade, a profundidade institucional e a diversidade cultural como dimensões fundamentais da experiência chinesa, e que se afaste de enquadramentos ocidentalizados.
Essa abordagem é o que confere à Observa China 观中国 sua singularidade. Ao se apresentar como uma plataforma de diálogo entre multiplicidade de visões (sem pressupor apenas convergência de ideias), a iniciativa amplia o repertório em língua portuguesa e fomenta uma comunidade intelectual comprometida com a produção responsável do conhecimento. Realiza-se, neste caminho, um esforço contínuo de tradução (não apenas linguística, mas também conceitual, cultural e política) que exige sensibilidade, escuta ativa e abertura ao diferente. É nesse espaço de interseção que a rede se fortalece, encontrando na diversidade de perspectivas sua maior riqueza.
Esta edição é mais do que um marco editorial em nossa história: é um gesto de continuidade. A rede que se formou em torno da Observa China 观中国 é resiliente, dinâmica e em constante reinvenção. Sua força está nas pessoas que a constroem diariamente, e na convicção de que pensar a China é, também, em certa medida, pensar o mundo e o nosso próprio lugar nele. É reconhecer que os desafios contemporâneos, sejam eles climáticos, tecnológicos, econômicos, diplomáticos ou culturais, exigem abordagens que transcendam fronteiras disciplinares e geográficas.
Não é possível antecipar com precisão o que os próximos anos reservam para a Observa China 观中国. Ainda assim, permanece vivo o desejo de que a língua portuguesa continue ocupando espaços relevantes na produção global de conhecimento. Que surjam cada vez mais pessoas engajadas e mais projetos como a presente obra coletiva, sempre pautados pela qualidade, pela diferença e pelo diálogo. E que, sobretudo, a comunidade da Observa China 观中国 se mantenha como um espaço de troca genuína, onde o pensamento crítico esteja sempre lado a lado com a integridade.
Capa: Manuela Müller Soares
Leia o número completo aqui
This article is part of the project Sinóptica 提纲 Magazine. Learn more about this and other projects here.
Edited by
The opinions expressed in this article do not reflect the institutional position of Observa China 观中国 and are the sole responsibility of the author.
Subscribe to the bi-weekly newsletter to know everything about those who think and analyze today's China.
© 2025 Observa China 观中国. All rights reserved. Privacy Policy & Terms and Conditions of Use.