Como um dos mais sensíveis pontos de inflamação da política internacional contemporânea, a questão de Taiwan é comumente interpretada por meio do enquadramento triangular que envolve a China continental, os Estados Unidos e a própria ilha. [1] Conforme as dinâmicas securitárias regionais se deterioram exponencialmente nestes últimos anos, as eleições gerais agendadas para janeiro de 2024 em Taiwan, e as suas implicações geopolíticas encontram-se no foco de muita atenção. A corrida eleitoral permite observar as diferentes propostas políticas para o futuro das relações da ilha com o continente. Neste sentido, as nuances do espectro político em Taiwan representam uma importante dimensão de análise.
Compreender a complexidade do relacionamento entre os dois lados do estreito requer considerar que, embora exista consenso sobre a intenção de evitar um eventual conflito envolvendo a região, não há consenso em Taiwan em torno de um projeto único para o seu relacionamento com o continente. [2] As visitas realizadas de forma concomitante em março de 2023 por Tsai Ing-Wen à América Latina e aos Estados Unidos e por Ma Ying-Jeou à China continental refletem perspectivas distintas.
Desde 2016, quando Tsai Ing-Wen passou a ocupar o cargo de chefe de governo de Taiwan, nove países – Burkina Faso, República Dominicana, El Salvador, Kiribati, Nicarágua, Panamá, São Tomé e Príncipe, Ilhas Salomão e Honduras – alteraram o reconhecimento diplomático de Taipé para Beijing. Em março de 2023, Tsai realizou a primeira visita em quatro anos à América Latina, com o objetivo de reforçar a importância destas parcerias externas. Durante o trânsito aéreo, foram também realizadas reuniões com representantes do legislativo e de organizações internacionais dos Estados Unidos. Entre os anfitriões esteve o sucessor de Nancy Pelosi como porta-voz da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Kevin McCarthy.
No mesmo período, o ex-chefe de governo de Taiwan, Ma Ying-Jeou, realizou uma visita histórica à China continental, representando o primeiro líder de Taiwan – no cargo ou após o fim do seu termo – a pisar na República Popular da China desde 1949. Entre as motivações de Ma Ying-Jeou, destaca-se o interesse em fazer-se representar como uma figura relevante na construção de pontes na crescente divisão entre os dois lados do estreito. O fato que Beijing consentiu à visita, por sua vez, demonstra o reconhecimento tácito sobre a importância do gerenciamento do relacionamento inter estreito.
Por trás da conjuntura de movimentações políticas em Taiwan, há a escalada das tensões com Beijing – que desde agosto de 2022 se mantêm em patamares mais elevados – e, também, o resultado do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, que ocorreu em outubro de 2022 e afirmou a posição de poder de Xi Jinping. [3] Durante este Congresso também foi reforçado o objetivo primordial de promover a reintegração pacífica de Taiwan, embora não sem descartar a possível utilização de meios bélicos para implementar a política de “Um País, Dois Sistemas” sobre a ilha.
Os partidos políticos de maior relevância em Taiwan são o Kuomintang (KMT) e o Partido Democrático Progressista (DPP) – representados respectivamente, por Ma Ying-Jeou e Tsai Ing-Wen. O Kuomintang, partido nacionalista fundado ainda na China continental, tradicionalmente apresenta posições mais favoráveis à manutenção do status quo, ao diálogo e à promoção de laços comerciais entre os dois lados do estreito, sob a perspectiva de que para manter níveis de autonomia, Taiwan precisa estruturar um bom relacionamento com a China continental. [4] O partido também é conhecido por representar interesses empresariais e apoiar que Taiwan se aproveite da ascensão econômica chinesa e de suas vantagens competitivas – especialmente considerando que a ilha apresenta superávit comercial em suas trocas com o continente. [5]
O Partido Democrático Progressista, por sua vez, emerge da preocupação na ilha sobre as vulnerabilidades que a aproximação econômica com o continente podem trazer à ilha, principalmente em termos de dependência. Criado em 1986, o DPP representou por muitos anos as gerações mais jovens, cuja identidade tende a estar mais atrelada ao sistema em curso na ilha e menos à ideia de civilização chinesa comum. O DPP foi derrotado nas duas últimas eleições locais, sendo que em 2022 obteve apenas 5 dos 21 assentos no nível municipal, uma perda considerada histórica. Demonstrando assumir responsabilidade pelas perdas significativas, Tsai então resignou como Presidente do partido - o mesmo gesto foi adotado pelo chefe de governo anterior, quanto à sua derrota nas eleições locais em 2014.
Com o slogan “resistir a China, proteger Taiwan” durante as eleições de 2022, o DPP demonstrou desalinhamento com as prioridades da população que, nas eleições locais, tendem a estar dependentes das preocupações mais tangíveis ao cotidiano social, como o sistema de transporte, subsídios e projetos de infraestrutura, e não a questões geopolíticas. Além da queda de popularidade, o partido pode estar perdendo sua identidade, dadas as discrepâncias entre a retórica agressiva e a falta de ações efetivas para o preparo militar. Os exercícios militares chineses são crescentemente recebidos com indiferença pela população em Taiwan. Uma vez que se torna crescentemente difícil dissociar questões socioeconômicas do status do relacionamento inter estreito, ao menos parte da população demonstra estar mais preocupada com os efeitos econômicos das tensões. O fato de que o DPP apresenta vozes ambíguas quanto ao seu posicionamento em relação ao Consenso de 1992, por exemplo, não contribui para a visão de Beijing sobre o partido. [6]
Apesar de reverberar em limitados resultados práticos, o simbolismo político da viagem de Ma Ying-Jeou controlou a temperatura das novas tensões geradas pelo encontro entre Tsai Ing-Wen e Kevin McCarthy. Como resultado, Beijing entendeu que não precisaria responder de forma excessivamente intensa às pressões domésticas pela guerra por Taiwan, uma vez que a possibilidade de diálogo voltava a ser enfatizada por meio da viagem do representante do Kuomintang. Os frequentes exercícios militares indicam que acenos em relação à independência de Taiwan não serão tolerados e irão resultar em respostas militares.
Tsai Ing-Wen também sofre diversas pressões de ordem econômica. Além das tendências globais de déficit demográfico, pressão inflacionária e retração salarial, Taiwan também é prejudicada pelas retaliações comerciais promovidas por Beijing em resposta às atitudes que considera como provocativas. Encontros oficiais com políticos de alto escalão de países que aderem à política de Uma China – em que um país que estabelece relações comerciais com a República Popular da China não pode reconhecer diplomaticamente o governo em Taipé – constam dessas provocações. [7] A perda de nove aliados internacionais desde o início do governo de Tsai colabora para as pressões quanto ao desempenho do seu partido nas eleições de 2024.
A acrescentar, pela primeira vez na história política de Taiwan, uma terceira via demonstra ganhar proeminência. O Partido Popular de Taiwan (TPP), fundado em 2019, ultrapassou o tradicional KMT nas pesquisas de opinião, que demonstraram que três partidos receberam mais de 20% das pretensões de novo, o que representa um componente novo. O TPP é considerado como relativamente pró-engajamento com Beijing. Além da rejeição aos partidos tradicionais, recentes controvérsias implicando ambos o KMT e o DPP contribuíram para o crescimento de alternativas políticas.
Com eleições agendadas para janeiro de 2024, a campanha eleitoral em curso em Taiwan expõe nuances na posição da ilha quanto a sua visão de futuro e ao status do relacionamento com a China continental. Caso o Kuomintang vença as eleições em janeiro, a visita realizada por Ma Ying-Jeou pode reverberar de forma mais significativa em um cenário político mais favorável à retomada da aproximação com Beijing. Uma vitória do DPP, por sua vez, traz consigo dúvidas sobre a continuidade do status quo e da estabilidade regional. Considerando que, diferentemente da posição dos Estados Unidos, não há ambiguidade na posição de Beijing em relação à questão de Taiwan – que faz parte do imaginário político-social chinês – as eleições de 2024 podem ser determinantes para a estabilidade no estreito e, consequentemente, na Ásia-Pacífico.
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